sábado, novembro 15

domingo, novembro 9


A única verdade


a única verdade é a linha que puxo na extremidade da
[agulha
ponto a ponto desenho
a paciência refaço os gestos
das minhas avós
quantas coisas se passavam na cabeça das mulheres
[em seu estrado
em seus olhos dobrados
e eu que nunca tive paciência


mas quem fui bem vedes que o não sou já
e pois que não tenho armas para ofender
faço desenhos de flores brilhantes com linhas
de seda paciente
é tudo o que posso fazer
com os olhos dobrados
na noite que não pára de crescer
Soledade Santos

a nossa verdadeira história

...E uma noite estávamos a dar um concerto no topo de uma colina, eu estava a cantar e, a meio de uma canção, ouvi um som totalmente novo e pensei: “Ena! O Peter é um excelente músico, está sempre a inventar coisas novas incríveis.” Mas depois olhei para o Peter e vi que as mãos dele não coincidiam minimamente com o ritmo daquele som. Ele estava a tocar uma coisa completamente diferente. E por fim a canção estava quase a acabar, faltavam apenas algumas notas e já só restava a minha voz, para além daquela pequena e maravilhosa melodia. E então percebi que vinha de uma árvore próxima do palco, um pouco além do sítio onde eles tinham pendurado os holofotes coloridos .
Era uma coruja, uma corujinha, e estávamos as duas a cantar um dueto e eu pensei: “Posso morrer neste preciso instante, porque a vida jamais será melhor do que isto.” E continuámos a cantar durante mais algum tempo e lá em baixo havia uma multidão de seres humanos – sentados no escuro – a ouvir, a ouvir. E depois começou tudo a andar para trás. E eu senti o cheiro de uma certa coisa. E nós sabemos o dia em que compreendemos que jamais contaremos a nossa verdadeira história. A nossa própria história. É nesse dia que a nossa vida começa. Boa noite, uma mesa para cinco mil pessoas, por favor.

Laurie Anderson

ADAGIO




Eu não sei onde encontrar você
Eu não sei como procurar você
Eu ouço sua voz no vento
Eu sinto você sobre minha pele
Dentro do meu coração e da minha alma
Eu espero por você
Adagio

Todas essas noites sem você
Todos os meus sonhos envolvo você
Eu vejo e toco seu rosto
Eu caio nos seus braços
Quando o tempo é certo, eu sei
Você estará em meus braços
Adagio

Eu fecho meus olhos e encontro um caminho
Não precisa rezar por mim
Eu andei tanto
Eu lutei tanto
Nada mais a explicar
Eu sei que tudo o que restará
É um piano que toca

Se você sabe onde me encontrar
Se você sabe como me procurar
Antes que as luzes se apaguem
Antes que eu perca minha fé
Seja o único homem a dizer
Que você ouvirá meu coração
Que você me dará sua vida
Que você ficará pra sempre

Não deixe que as luzes se apaguem
Não Não Não Não Não Não
Não deixe que eu perca a fé
Seja o único homem a dizer
Que você acredita
Me faça acreditar
Que você não vai embora
Adagio
ADAGIO

Amora de tronco gris,
Dá um cacho para mim.
Sangue e espinhos.
Aproxima-te.
Se me queres, querer-te-ei.
Deixa teu fruto de verde e sombra
Na minha língua, amora.
Que longo abraço te daria
Na penumbra de meus espinhos..
Amora, aonde vais?
Vou buscar amores que tu não me dás.

Federico García Lorca


Petalas
Alceu Valença


As borboletas voam sobre o meu jardim
São cores vivas, pousam sobre às onze horas
Nas rosas claras, violetas e jasmins
Um beija-flor traindo a rosa amarela
Beijou a bela margarida infiel
Papoula e dália estão cravadas de ciúmes
E o beija-flor beijando flores a granel
Pétalas, asas amareladas
Pétalas, espinho seco
Folha, flor, lagarta
Pétalas
As flores voam e voltam noutra estação
Só serei flor quando tu flores no verão



Meninas passeiam seus vestidos de mãos dadas. Despertam curiosidades nos olhares salivantes dos moços viris e das boquiabertas senhorinhas. Bailarinas da sedução, borboleteiam imaginações alheias porque desabitaram as convenções do amor público pra se libertarem da camisa-de-força com etiqueta.

Meninas são líquidas de águas temperadas. Ultrapassaram os epílogos do prazer pra mergulhar na emergência do ardor com afeto.E, delicadas na carícia sem ingenuidade, confundem-se no abraço das pernas enveredadas pela malícia da fome.E, na dança dessas deusas líricas,o roçar de seios e o beijo de todos os lábios.
Meninas passeiam por aí, lúdicas, exalando o feromônio doce do segredo.


(E vagueiam pelo lume sem fardos... porque são fadas.)

- Marla de Queirós -

Para que tu ainda me ames

Eu compreendi todas as palavras, eu compreendi bem, obrigada
Razoável e novo, é assim por aqui
Que as coisas mudaram, que as flores murcharam
Que o tempo de antes seria o tempo de agora
Que se tudo muda constantemente, os amores também passam

É preciso que tu saibas

Eu irei procurar teu coração se tu levares a outro lugar
Mesmo se nas tuas danças, tuas horas outros dancem
Eu irei procurar tua alma nos frios, nas chamas
Eu te jogarei pragas para que tu ainda me ames

Não precisava começar a me atrair, a tocar
Não precisava dar tanto, eu não sei jogar
Dizem que hoje os outros fazem assim
Eu não sou os outros
Antes que se apegue, antes que se entregue

Eu quero que tu saibas

Eu irei procurar teu coração se tu levares a outro lugar
Mesmo se nas tuas danças, tuas horas outros dancem
Eu irei procurar tua alma nos frios, nas chamas
Eu te jogarei pragas para que tu ainda me ames

Eu encontrarei as linguagens para te tecer louvores
Eu farei nossas bagagens para infinitas colheitas
As fórmulas mágicas dos Marabutos da África
Eu os direi sem remorço para que tu ainda me ames

Eu me inventarei rainha para que o fogo recomece
Eu regressarei a estes outros que te dão prazer
Seus jogos serão os nossos, se tal é teu desejo
Mais brilhante, mais bela para uma outra faísca
Eu me transformarei em ouro para que tu ainda me ames