sábado, maio 16




"Vem, antes que eu me vá, antes que seja tarde demais.
Vem, que eu não tenho ninguém
e te quero junto a mim.
Vem, que eu te ensinarei a voar."


Caio Fernando Abreu
Se tu podes impor a calma, quando aqueles
Que estão ao pé de ti a perdem, censurando
A tua teimosia nobre de a manter,

Se sabes aguardar sem ruga e sem cansaço,
Privar com Reis continuando simples,
E na calúnia não recorres à infâmia
Para com arma igual e em fúria responder,
- Mas não aparentar bondade em demasia
Nem presumir de sábio ou pretender
Manifestar excesso de ousadia, -

Se o sonho não fizer de ti um escravo
E a luz do pensamento não andar
Contigo num domínio exagerado,

Se encaras o triunfo ou a derrota
Serenamente, firme, e reforçado
Na coragem que é necessário ter
Para ver a verdade atraiçoada,
Caluniada, espezinhada, e ainda
Os nossos ideais por terra, - mas ergue-los
De novo em mais profundos alicerces
E proclamar com alma essa Verdade!

Se perdes tudo quanto amealhaste
E voltas ao princípio sem um ai,
Um lamento, uma lágrima, e sorrindo
Te debruçares sobre o coração
Unindo outras reservas à Vontade
Que quer continuar, e prosseguindo
Chegar ao infinito da razão,

Se a multidão te ouvir entusiasmada
E a virtude ficar no seu lugar,
Se amigos e inimigos não conseguem
Ofender-te, e se quantos te procuram
Para contar com o teu esforço não contarem
Uns mais do que outros, - olha-os por igual!,

Se podes preencher esse minuto
Com sessenta segundos de existência
No caminho da vida percorrido
Embora essa existência seja dura
À força das tormentas que a consomem,
Bendita a tua essência, a tua origem,

O mundo será teu,
E tu serás um Homem!

Rudyard Kipling

Vem aos meus sonhos, faz em mim a tua casa.
Planta, em frente, a cerejeira dos
pássaros brancos,
deixa que eles pousem nos ramos e cantem
eternamente,
deixa que nas suas asas de luz eu leia o meu
nome,
antes de os relâmpagos acenderem os prados.

Vem aos meus sonhos,
vê os labirintos por onde me perco,
vê os meus países do mar,
vê, em cada barco que parte do meu coração,
as viagens que não fiz,
os amores que não tive,
a luz cruel da minha solidão.

Vem aos meus sonhos,
traz um fio de água para as dálias do meu
quarto vazio,
não queiras que as suas pétalas sequem muito
depressa,
caindo pelos delicados muros de cristal,
apagando a cor que dava vida aos aposentos
do solitário.

Deixa que ele evoque a secreta doçura das
colmeias,
e vem,
vem aos meus sonhos,
ilumina o meu domingo de cinzas, o meu
domingo de ramos, o meu calvário,
diz que estás aqui,
nesta página que escrevo para nunca te esquecer.

José Agostinho Baptista
Nunca houve palavras para gritar a tua ausência.
Apenas o coração
pulsando a solidão antes de ti
quando o teu rosto doía no meu rosto e eu descobri as minhas mãos
sem as tuas...
Joaquim Pessoa

Há meses que vivo rodeada
por uma substância negra e pegajosa
que invadiu a minha casa. As paredes,
o chão, as janelas e os móveis,
a comida, os livros e a roupa,
o teclado do computador, as plantas,
o telefone… Está tudo impregnado
com esta pez escura, a mesma que respiro
e que me mata pouco a pouco.
Dizem que os venturosos e os néscios
chamam melancolia a esta porcaria
que apodrece o coração e asfixia a alma.

Poema de Amaila Bautista



As meninas são todas como eu:

a guardar astros que serão bordados,

a recolher os olhos deslumbrados

depois de uma viagem pelo céu(...)

(Natércia Freire)

“Não, não ofereço perigo algum: sou quieta como folha de outono esquecida entre as páginas de um livro, sou definida e clara como o jarro com a bacia de ágata no canto do quarto - se tomada com cuidado, verto água límpida sobre as mãos para que se possa refrescar o rosto mas, se tocada por dedos bruscos num segundo me estilhaço em cacos, me esfarelo em poeira dourada."


Caio Fernando Abreu, Morangos Mofados

Deu-me o seu corpo doirado
Que eu beijei quase febril.
Na vidraça da janela,
A chuva, leve, tinia…
Ele apertou-me cerrando
Os olhos para sonhar -
E eu lentamente morria
Como um perfume no ar!


António Botto

sexta-feira, maio 15


Meu coração é um poço de mel,
No centro de um jardim encantado,
Alimentando beija-flores que,
depois de prová-lo,
Transformam-se magicamente em cavalos brancos alados
Que voam para longe, em direção à estrela Veja.
Levam junto quem me ama,
me levam junto também.
Cascata de champanha,
Púrpura rosa do Cairo,
Verso de Mário Quintana,
Figo maduro, papel crepom,
Cão uivando pra lua, varinha de incenso.
Acesa, aceso Vasto, vivo:
Meu coração É teu.


Caio Fernando Abreu


Sou a quitandeira mais doce
que todos os doces de coco,
minha boca é tão docinha
como a fruta da minha quinta.
Tenho os seios para dar
duas laranjas do loje,
tenho nos olhos pitangas
tão boas de namorar
Tenho o Sol na barriga
e doçura da manga nos braços,
quem quer a minha vida
pra adoçar os seus cansaços?


António Cardoso (poeta angolano)

SEGREDO

Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar


Maria Teresa Horta



Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:de mim, atravessada pelo mundo.
Toda a minha experiência, o meu estudo, sou eu mesma que,
em solidão paciente,recolho do que em mim observo e escuto muda lição,
que ninguém mais entende.
O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo caminhos invisíveis por onde ando.
Tudo é secreto e de remoto exemplo.Todos ouvimos, longe, um apelo .
E todos somos pura flor de vento.
Mike Monette

"A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia."
HFM

Tenho visto muito amor por aí,
Amores mesmo,
bravios, gigantescos,
descomunais, profundos, sinceros,
cheios de entrega, doação e dádiva,
mas esbarram na dificuldade de se tornar bonito.
Apenas isso: bonitos,
belos ou embelezados,
tratados com carinho, cuidado e atenção.
Amores levados com arte e ternura de mãos jardineiras
.
[[Artur Tavola]]

Não sei como dizer-te Não sei como dizer-te que minha voz te procura e a atenção começa a florir, quando sucede a noite esplêndida e vasta.

Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos se enchem de um brilho precioso e estremeces como um pensamento chegado.

Quando, iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado pelo pressentir de um tempo distante, e na terra crescida os homens entoam a vindima— eu não sei como dizer-te que cem idéias, dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros ao lado do espaço e o coração é uma semente inventada em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,tu arrebatas os caminhos da minha solidão como se toda a casa ardesse pousada na noite.— E então não sei o que dizer junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.

Quando as crianças acordam nas luas espantadas que às vezes se despenham no meio do tempo— não sei como dizer-te que a pureza, dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto correr do espaço —e penso que vou dizer algo cheio de razão, mas quando a sombra cai da curva sôfregados meus lábios, sinto que me faltam um girassol, uma pedra, uma ave — qualquer coisa extraordinária.

Porque não sei como dizer-te sem milagres que dentro de mim é o sol, o fruto, a criança, a água, o deus, o leite, a mãe, o amor, que te procuram.

Herberto Hélder