sábado, maio 7




Desde criança, me proponho desafios. Superstições. Teria que correr mais do que o carro para conseguir uma namorada. Caso o pião permanecesse três minutos de pé, passaria de ano na escola. Se acertasse o papel no lixo, eu me transformaria num jogador de futebol. Se a porta estivesse fechada na segunda tranca, receberia um convite para um novo emprego. Se ela olhar ao lado, é que devo insistir com a conversa. Se o telefone tocar quando atravessar na frente daquela casa, é que terei sucesso. Queria provas. Passava todo o dia trancado em mim, conferindo se haveria coincidência entre o que fantasiava e as reações externas. Da janela do trem, da janela do carro, da janela do ônibus, da janela da casa, fazia palavras cruzadas gigantes entre as árvores e a chuva, contando as letras, contando os olhos, contando com a boca a distância de um relâmpago de sua queda. Fui formando convicções a partir de disputas secretas, de apostas que ninguém entenderia, extremamente gratuitas e somente plenas de sentido para uma carência que buscava me livrar.


Transferi a mania de resultados para o relacionamento. Pareço assim um mendigo ansiando algo com o estardalhaço de um milagre. Mas o milagre é imperceptível. Nem faz barulho. Ele abre a porta, não arromba. Qualquer um pode abrir a porta, o milagre tem a mesma energia de uma mão na maçaneta. O milagre é humano. O milagre não usa Deus. O homem usa - infelizmente - Deus. O milagre não emprega nada mais do que a nossa própria força.


O milagre é não condicionar o amor a um entendimento. A uma cerca. A um endereço. Dominar o amor é extingui-lo. Dominar o amor é não compreendê-lo.


O amor é contraditório, não compare as frases, não esprema o suco do que é semente. Não pressione quem você ama com perguntas, esperando que ele responda o que já formulou. Você não está amando, está testando. É repetir o jogo infantil da confirmação de sua expectativa. O amor não nos confirma; na maioria das vezes, nos nega. O amor não termina, desistimos dele. O fim do amor é nossa desistência.


Eu me importo mais com as provas do que com os desejos. Examinando, suspeitando, avaliando o que não é perfeito. Tentando domar com a clareza, assumir o controle do que é destinado a não ter direção. Eliminando os erros com o corretor ortográfico para não chegar à verdade da minha insuficiência. Não aceito ser por mim, fico querendo me resolver por fora.


De tanto que pedi sinais a Deus, eu deixei de me ler. Deus não concede sinais. Deus é analfabeto. Não precisa ler para entender, entende antes da leitura. Ele escuta o que pensamos. Escuta até o que deixamos de pensar. Nós é que precisamos escrever para provar que existimos e ler para ter uma segunda chance.


Deus nos deu o amor para sermos analfabetos e errar a linha.



Fabrício Carpinejar

Todo homem ajuda a despir a mulher, todo homem tem pressa pela nudez, todo homem é ansioso pelo sexo, pelo seio, pelo corpo aquecido pela mão, como é solícito o homem para tirar a blusa, a tirar a saia, a tirar as meias.

Nem precisa pedir, ele já veio. Não se perde. Não se atrasa em seu próprio sangue.

Entende que a alegria é uma tristeza assustada. Entende que a tristeza é uma alegria calma. Alegre triste, triste alegre.

Para despir, o homem faz tudo certo, tudo exato, tudo educado e incisivo, tudo preocupado e generoso, é capaz de conversar cada assunto até o fim, mesmo que não goste. É capaz de conversar calado.

Todo homem pretende se aventurar no declive, no recuo, na bondade do cheiro.

O homem acelera o zíper, desliza o pescoço como um fecho. Abre os braços em gola. Debrua a linha. Não tem certeza se vive ou morre, mas não deixa de avançar.

Desenrola a trama, destranca a porta, destrança as redes com cuidado noturno. Solta os cabelos dela: duplica-se na ternura.

Aprendemos a descolar o sutiã com o estalo de dois dedos, a puxar a calcinha com os pés, a beijar e soprar ao mesmo tempo, a dizer luxúria como se fosse simples, abafar a voz para gemer mais rápido. Fazemos no escuro, fazemos de olhos vendados, fazemos de costas, fazemos com os dentes.

Se necessário, somos facas, somos forcas, somos fracos.

Não há vestido que nos pregue peças. Não nos assusta o inverno e suas camadas de lã e suas camadas de básicas e suas camadas de segunda pele. Não nos incomoda a legging, as botas, os casacos com botões internos. Não pediremos explicações, não há mistérios que não sejam treinados. Enquanto beijamos, desvestimos. Enquanto passeamos, seguimos, obedientes, o novelo.

O homem é preparado para arrancar as roupas, para veranear no quarto. Para escutar o mar pelo vento das venezianas. O homem é a febre, o desejo infantil de ter logo, de ser logo, de não esperar o próximo assobio, o próximo ônibus, o próximo pensamento.


Natural e comum o homem que ajuda a despir a mulher. Raro é o homem que ajuda a mulher a se vestir depois.


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Fabrício Carpinejar