segunda-feira, janeiro 11

sobre o plágio






Hoje uma leitora bem querida me enviou um email, dizendo que uma moça tem plagiado os meus textos. Confesso que até me ajeitei na cadeira, com ares de alguma importância, e fui lá conferir a homenagem. Reconheço que alguns textos até ficaram melhores do que o original e, se a moça não se importar, incorporarei as modificações, dando-lhe os devidos créditos, claro. Penso até que nem seja um plágio, mas que a moça esteja treinando o próprio estilo. Feito quando a gente aprende a andar de bicicleta e utiliza aquelas duas rodinhas de apoio. Logo logo, ela irá se desprender dos meus textos e deslizar pelas ruas com os seus braços abertos.

Rita Apoena


O meu mundo tem estado à tua espera; mas
não há flores nas jarras, nem velas sobre a mesa,
nem retratos escondidos no fundo das gavetas. Sei

que um poema se escreveria entre nós dois; mas
não comprei o vinho, não mudei os lençóis,
não perfumei o decote do vestido.

Se ouço falar de ti, comove-me o teu nome
(mas nem pensar em suspirá-lo ao teu ouvido);
se me dizem que vens, o corpo é uma fogueira –
estalam-me brasas no peito, desvairadas, e respiro
com a violência de um incêndio; mas parto
antes de saber como seria. Não me perguntes

porque se mata o sol na lâmina dos dias
e o meu mundo continua à tua espera:
houve sempre coisas de esguelha nas paisagens
e amores imperfeitos – Deus tem as mãos grandes”.


MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA


Aguardo a tua vinda!
E, embora me entristeça
Enquanto aguarde,
É tão linda a promessa
Que chego a desejar que venhas tarde!





Armando Pinheiro

OS MELHORES ANOS DA NOSSA VIDA

Acho que cada dia
É como em uma pesca milagrosa
É bom pescar sentado
Em uma nuvem macia e cor de rosa
Eu, um cavalheiro elegante
E você vestida como uma noiva
Enquanto lá fora, só a poeira consegue voar
Sinto o temporal no ar


Será que nos dois
Somos de um planeta distante
O mundo daqui
Parece um esconderijo secreto
Todos querem tudo
Mas o tudo é nada de certo
Nos não faremos como os outros, como toda gente
Estes serão ...


Os melhores anos da nossa vida
Os melhores anos da nossa vida
Me de um abraço forte
Pois não há noite infinita
Os melhores anos da nossa vida


É maravilhoso ficarmos abraçados
No escuro em silencio
Como boxers após a luta
Seremos os últimos sobreviventes
Talvez um dia a gente perceba
Que não nos perdemos nunca
E que toda aquela tristeza
Na realidade, nunca existiu


Maurizio Fabrizio, Guido Morra


(É melhor que não faças fitas, são pessoas de cerimônia as que estão cá hoje, deixa os chocolates em paz, não me obrigues a dar uma sapatada num cão que não se vê.)

Manuel Alegre


Queen of Hearts

Poema




visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado

tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores

ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos

antes que desperte em mim o grito
dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro

perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água

com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te

[Al Berto]

"É tão dificil falar e dizer coisas que não podem ser ditas. É tão silencioso. Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois? Dificilimo contar. Olhei para você fixamente por instantes. Tais momentos são meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo a isto estado agudo de felicidade."


Clarice Lispector

(...)
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

Sophia de Mello Breyner Andresen

Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.
.
Seus seios altos parecem
(Se ela tivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem Ter que haver madrugada.
.
E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.
.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como ?
.
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

É inútil desistir.
Por detrás das muralhas da vontade
mora o desejo, a força que as derruba.
Deixa que nasça, que avolume e suba
esta maré de seiva e de ternura!
A grandeza do homem, criatura
que cresce enquanto ama e pode amar,
é saber
que só depois do gosto de pecar
lhe vem o gosto de se arrepender.


Miguel Torga, Terra Humana

Já vai alta a noite, vejo o negro do céu,
deitado na areia, o teu corpo e o meu.
Viajo com as mãos por entre as montanhas e os rios,
e sinto nos meus lábios os teus doces e frios.
E voas sobre o mar, com as asas que eu te dou,
e dizes-me a cantar: “É assim que eu sou”,
olhar para ti e ver o que eu vejo,
olhar-te nos olhos com olhares de desejo,
eu não tenho nada mais p’ra te dar,
esta vida são dois dias,
e um é para acordar,
das histórias de encantar.
Viagens que se perdem no tempo,
viagens sem princípio nem fim,
beijos entregues ao vento,
e amor em mares de cetim.
Gestos que riscam o ar,
e olhares que trazem solidão,
pedras e praias e o céu a bailar,
e os corpos que fogem do chão.

Pedro Abrunhosa, Viagens -