sexta-feira, maio 15


Não sei como dizer-te Não sei como dizer-te que minha voz te procura e a atenção começa a florir, quando sucede a noite esplêndida e vasta.

Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos se enchem de um brilho precioso e estremeces como um pensamento chegado.

Quando, iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado pelo pressentir de um tempo distante, e na terra crescida os homens entoam a vindima— eu não sei como dizer-te que cem idéias, dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros ao lado do espaço e o coração é uma semente inventada em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,tu arrebatas os caminhos da minha solidão como se toda a casa ardesse pousada na noite.— E então não sei o que dizer junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.

Quando as crianças acordam nas luas espantadas que às vezes se despenham no meio do tempo— não sei como dizer-te que a pureza, dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto correr do espaço —e penso que vou dizer algo cheio de razão, mas quando a sombra cai da curva sôfregados meus lábios, sinto que me faltam um girassol, uma pedra, uma ave — qualquer coisa extraordinária.

Porque não sei como dizer-te sem milagres que dentro de mim é o sol, o fruto, a criança, a água, o deus, o leite, a mãe, o amor, que te procuram.

Herberto Hélder

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