sábado, setembro 4

A sesta



Pierrot escondido por entre o amarelo dos girassóis
espreita em cautela o sono dela dormindo na sombra da tangerineira.
E ela não dorme, espreita também de olhos descidos,
mentindo o sono, as vestes brancas do Pierrot
gatinhando silêncios por entre o amarelo dos girassóis.
E porque ele se vem chegando perto,
ela mente ainda mais o sono a mal-ressonar.
Junto dela, não teve mão em si
e foi descer-lhe um beijo mudo na negra meia aberta arejando o pé pequenino.
Depois os joelhos redondos e lisos,
e já se debruçava por sobre os joelhos,
a beijar-lhe o ventre descomposto,
quando ela acordou cansada de tanto sono fingir.
E ele ameaça fugida, e ela furta-lhe a fuga nos braços nus estendidos.
E ela, magoada dos remorsos de Pierrot, acaricia-lhe a fronte num grande perdão.
E, feitas as pazes, ficou combinado que ela dormisse outra vez.


José de Almada Negreiros

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