sábado, fevereiro 21

Canção de vidro

E nada vibrou...
Não se ouviu nada...
Nada...

Mas o cristal nunca mais deu o mesmo som.

Cala, amigo...
Cuidado, amiga...
Uma palavra só
Pode tudo perder para sempre...

E é tão puro o silêncio agora!

Mario Quintana

Green Grass

Cibelle Cavalli


Apoie sua cabeça
Onde meu coração costumava estar
Segure a terra abaixo de mim
Deite na grama verde
Lembre-se de quando você me amava
Chegue mais perto, não seja tímido
Fique debaixo de um céu chuvoso
A lua está no alto
Pense em mim conforme o trem passa
Limpe os espinhos
E os arbustos
Assobie "Didn't He Ramble"
Agora há uma bolha em mim
E ela está flutuando em ti
Fique no meu formato
As coisas agora são feitas de mim
Os cataventos dirão
"Há cheiro de chuva hoje"
Deus pegou as estrelas
E as jogou
Não se pode contar os pássaros
Pelos botões de flores
Você nunca se livrará de mim
Ele fará uma árvore de mim
Não me diga adeus
Descreva o céu para mim
E se o céu cair
Marque minhas palavras
Nós pegaremos bem-te-vis
Apoie sua cabeça
Onde meu coração costumava estar
Segure a terra abaixo de mim
Deite na grama verde
Lembre-se de quando você me ama

Magrela


Um rubi.
Era verdadeiramente uma joia.

Rarissima naquele lugar

Vermelha

Um vermelho tomate, desses quando ja esta passado.

Mas era linda.

Seu dono de absurda generosidade

não se importando em dividi-la

A cada dia presenciava pacificamente a degradação

Era derrubada,repetidas vezes...

Pobre joia ,não tinha repouso

Ele nao considerava a perda

Sua alegria maior foi ver um dia ao longe ,veloz e travessa,

entre duas tranças ao vento um par de covinhas num sorriso luminoso

A alegria da conquista e da amizade que não tem preço.


Eliana Lopes de Andrade


Daquele que amo
quero o nome, a fome
e a memória. Quero
o agora. O dentro e o fora,
o passado e o futuro.
Quero tudo: o que falta
e o que sobra
o óbvio e o absurdo.


Maria Esther Maciel
Pudesse eu ser tu
e em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.

Mia Couto




Contracenamos por gestos
Por sorrisos,
por olhares
Rodeios protocolares
Cumprimentos indigestos
Firmes apertos de mão
Passeios de braço dado
Mas por som articulado,
Por palavras,
isso não.

Antes morrer atolado
Na mais negra solidão.
(excerto de "Desencontro" de António Gedeão)


Madu Lopes

"É inacreditável", diziam os forasteiros que, atraídos pela sua fama, corriam a Sakata para ver ou comprar os seus kakemonos. De facto, estavam ali todas as delícias da cor, todos os segredos da vida. Os mais incrédulos mexiam-lhes levemente, certificando-se assim que não havia nada mais do que seda ou papel e tintas. Outros ficavam horas seguidas de olhar pregado no desenho, esperando o súbito movimento de todas as coisas suspensas (que se derramassem os lagos, cantassem os pássaros ou se inclinassem os ramos das árvores às carícias da brisa).
(...)

Assim vivia e trabalhava incansavelmente Hokusai, alheio à fama e à crescente admiração que os seus desenhos alcançavam. Quando alguém mostrou um deles ao Imperador, grande amante da arte da pintura, este ficou de tal modo impressionado que ordenou imediatamente que trouxessem à sua presença "o velho doido pelo desenho".
Foi assim que certa manhã, seis cavaleiros da Guarda Imperial atravessaram a galope a pacata aldeia de Sakata e pararam diante da porta duma pequena casa de madeira e colmo. Dois dias depois, Hokusai e a inseparável Hana-San estavam na presença do Imperador.

"Podes ficar com a tua filha no meu palácio o tempo que quiseres" - disse ele, acrescentando, "mas quero que faças aqui o mais belo, o mais perfeito dos teus desenhos."
Hokusai aceitou o honroso convite e durante cerca de um ano desenhou vagarosamente sobre a seda cinzenta um fundo verde de jardim banhado por uma luz crepuscular e, em pleno voo, uma elegante cegonha. Era mais do que perfeito, mais do que real aquela aguarela.
(...)
Na manhã
seguinte estava o palácio em alvoroço. A cegonha desenhada por Hokusai desaparecera misteriosamente e só ele, conformado, parecia compreender o sucedido. Porém, como o Imperador se mostrasse inconsolável desenhou outra no mesmo local, igualmente perfeita e igualmente desaparecida na manhã seguinte, apesar de guardada por trinta soldados armados. E se não estava no kakemono, onde estariam então, já que, procuradas por toda a parte, nunca foram encontradas?
Quando o Imperador pediu ao velho que desenhasse também gaiolas para as suas cegonhas, já que parecia ser a única forma de as reter, ele recusou, dizendo: "a arte não é uma prisão".

Álvaro Magalhães, As Lágrimas do Céu

Porque Era Ela, Porque Era Eu




Eu não sabia explicar nós dois
Ela mais eu, por que eu e ela
Não conhecia poemas
Nem muitas palavras belas
Mas ela foi me levando
Pela mão

Íamos tontos os dois assim ao léu
Ríamos, chorávamos sem razão
Hoje, lembrando-me dela
Me vendo nos olhos dela
Sei que o que tinha de ser se deu
Porque era ela
Porque era eu



Chico Buarque

As estrelas são todas iluminadas.
Acho que é pra que cada um possa, um dia, encontrar a sua...



O Pequeno Príncipe

... Finjo que não é para ti que escrevo
quando escrevo;
finjo que não é para ti que vivo,
quando vivo.
Finjo e escrevo e vivo por amor.


Ana Rita Calmeiro,

OFF SINA

Não quero mais
saber destino.
Eu mesmo traço
meu desatino.


Antônio Adriano de Medeiros



"O coração da fêmea é um labirinto de subtilezas que desafia a mente grosseira do macho trapaceiro. Se quiser realmente possuir uma mulher, tem que pensar como ela, e a primeira coisa é conquistar-lhe a alma. O resto, o doce envoltório macio que nos faz perder o sentido e a virtude, vem por acréscimo."

Carlos Ruiz Zafón, A Sombra do Vento

De que cor é a alegria?
- Azul como um céu de aguarela.

- De que cor é o desejo?
- Vermelho como um país recém-criado.

- De que cor é a saudade?
- Lilás como um piano vagaroso.

- De que cor é a rosa do tempo?
- Branca e negra, branca e negra.

João Pedro Mésseder

Clarice Lispector - Água Viva - FLORES




“Agora vou falar da dolencia das flores para sentir mais a ordem do que existe.Antes te dou com prazer o néctar, suco doce que muitas flores contém e que os insetos buscam com avidez.Pistilo é o orgão feminino da flor que geralmente ocupa o centro e contém o rudimento da semente.Pólen é pó fecundante produzido nos estames e contido nas anteras.Estame é o orgão masculino da flor.É composto por estilete e pela antera na parte inferior contornando o pistilo.Fecundação é a união de dois elementos de geração - masculino e feminino - da qual resulta o fruto fértil.“E plantou Javé Deus um jardim no Éden que fica no Oriente e colocou nele o homem que formara”(Gen.11-8)Quero pintar uma rosa.Rosa é flor feminina que se dá toda e tanto que para ela só resta alegria de se ter dado.Seu perfume é mistério doido.Quando profundamente aspirada toca no fundo íntimo do coração e deixa o interior do corpo inteiro perfumado.O modo de ela se abrir em mulher é belíssimo.As pétalas tem gosto bom na boca - é só experimentar.Mas a rosa não é it.É ela.As encarnadas são de grande sensualidade.As brancas são a paz do Deus.É muito raro encontrar na casa de flores rosas brancas.As amarelas são de um alarme alegre.As cor de rosa são em geral mais carnudas e tem a cor por excelência.As alaranjadas são produto de enxerto e são sexualmente atraentes.Preste atenção e é um favor: estou convidando voce a mudar-se para um reino novo.Já o cravo tem uma agressividade que vem de certa iritação.São ásperas e arrebitadas as pontas de suas pétalas.O perfume do cravo é de algum modo mortal.Os cravos vermelhos berram em violenta beleza.Os brancos lembram o caixão de criança defunta: o cheiro então se torna pungente e a gente desvia a cabeça para o lado com horror.Como transplantar o cravo para a tela?O girassol é o grande filho do sol. Tanto que sabe virar sua enorme corola para o lado de quem o criou.Não importa se é pai ou mãe .Não sei. Será o girassol flor feminina ou masculina? Acho que é masculina.A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda.Dizem que se esconde por modéstia.Não é.Esconde-se para poder captar o próprio segredo.Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente queo busque.Não grita nunca seu perume.Violeta diz levezas que não se podem dizer.A sempre-viva é sempre morta. Sua secura tende à eternidade. O nome em grego quer dizer: sol de ouro.A margarida é florzinha alegre.É simples e à tona da pele.Só tem uma camada de pétalas. O centro é uma brincadeira infantil.A formosa orquídea é exquise e antipática.Não é expontânea.Requer redoma.Mas é mulher esplendorosa e isto não se pode negar..Também não se pode negar que é nobre porque é epífita.Epífitas nascem sobre outras plantas sem contudo tirar delas a nutrição.Estava mentindo quando disse que era antipática.Adoro orquídeas.Já nascem artificiais, já nascem arte.Tulipa só é tulipa na Holanda.Uma única tulipa simplesmente não é.Precisa de campo aberto para ser.Flor dos trigais só dá no meio do trigo.Na sua humildade tem a ousadia de aparecer em diversas formas e cores.A flor do trigal é bíblica.Nos presépios da Espanha não se separa os ramos de trigo.É um pequeno coração batendo.Mas angélica é perigosa.Tem perfume de capela.Traz êxtase.Lembra a hóstia.Muitos tem vontade de come-la e encher a boca com o intenso cheiro sagrado.O jasmim é dos namorados.Dá vontade de por reticências agora.Eles andam de mãos dadas, balançando os braços, e se dão beijos suaves ao quase som odorante do jardim.Estrelícia é masculina por excelência. Tem uma agressividade de amor e de sadio orgulho.Parece ter crista de galo e o seu canto.Só que não espera pela aurora.A violencia de tua beleza.Dama-da-noite tem perfume de lua cheia.É fantasmagórica e um pouco assustadora e é para quem ama o perigo.Só sai de noite com seu cheiro tonteador.Dama-da-noite é silente.E também da esquina deserta e em trevas e dos jardins de casas de luzes apagadas e janelas fechadas.É perigosíssima: é um assobio no escuro, o que ninguém aguenta.Mas eu aguento porque amo o perigo.Quanto à suculenta flor de cáctus, é grande e cheirosa e de cor brilhante.É a vingança sumarenta que faz a planta desértica.É o explendor nascendo da esterelidade despótica.Estou com preguiça de falar da edelvais.É que se encontra à altura de tres mil e quatrocentros metros de altitude.É branca e lanosa.Raramente alcançável: é a aspiração.Gerânio é flor de canteiro de janela.Encontra-se em São Paulo no bairro do Grajaú e na Suiça.Vitória-régia está no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.Enorme até quase dois metros de diametro.Aquáticas, é de se morrer delas.Elas são o amazônico:o dinossauro das flores.Espalham grande tranquilidade.A um tempo majestosas e simples.E apesar de viverem no nível das águas elas dão sombras.Isto que estou te escrevendo é em latim:de natura florum.Depois te mostrarei o meu estudo já transformado em desenho linear.O crisântemo é de alegria profunda.Fala através da cor e do despenteado.É flor que descabeladamente controla a própria selvageria.Acho que vou ter que pedir licença para morrer.Mas não posso, é tarde demais.Ouvi o Pássaro de Fogo - e afoguei-me inteira.Tenho que interromper porque - eu não disse? eu não disse que um dia ia me acontecer uma coisa? Pois aconteceu agora mesmo.”

segunda-feira, fevereiro 16






" Um casaco bordô, um vestido de veludo pra você usar.

Um vestido de bolero lero, lero, lero, já mandei comprar.

Se o casaco for vermelho, todo mundo vai usar.

Saia verde, azul e branco, todo mundo vai usar.

Apesar dessa mistura, todo mundo vai gostar.

É que debaixo do bolero,lero, lero, lero, tem você iaiá."


(Um vestido de bolero, de Dorival Caymmi )

Viração

Voa um par de andorinhas, fazendo verão. E vem uma vontade de rasgar velhas cartas, velhos poemas, velhas contas recebidas. Vontade de mudar de camisa, por fora e por dentro... Vontade... para que esse pudor de certas palavras?... vontade de amar, simplesmente.


[Mario Quintana; Sapato Florido, 1948]


Viver é apanágio dos raros.

O maior número vive morrendo.

Viver é compreender, olhar...

Há vidas que se iludem, cerrando os olhos, para não sentir, não ver.

A harmonia do mundo e a sua beleza são necessárias à verdadeira vida.

Nunca deixes morrer, em ti, a criança que foste.


Augusto Casimiro

Cartas imaginárias


Querida Teresinha,
Quanto tempo a gente leva para repousar os olhos nas pessoas ao nosso redor?
E ir deslizando pelos pequenos detalhes, na beleza não manifesta e, ao mesmo tempo, ofuscante? Quanto tempo a gente leva para repousar os olhos nos olhos do outro, sem qualquer pressa, sem procurar ali dentro o próprio reflexo? Foi esses dias, Teresinha, eu aninhei as mãos de minha avó por dentro das minhas, encostando o meu rosto em seus dedos tão frios, como se ela tivesse acabado de nascer em seu corpinho já envergado pelo tempo e marcado pelos dias. Naquele segundo, eu entendi que nada era mais urgente, nem mais importante, do que ouvir a minha avó reaprendendo a falar... e que eu sequer começaria a ver alguém - além de mim mesma - se não pudesse enxergar as pessoas para as quais olhei a vida inteira.

Rita Apoena