Entre uma infinidade de hipóteses de não teres nascido, saiu-te a sorte de teres nascido.
Saiu-te o número inscrito numa areia do universo.
Tens pois o privilégio de veres o sol, as flores, os animais.
De ouvires as árvores e o vento.
De.
E todavia, como esqueces isso tão facilmente.
Breve, tudo se apagará em silêncio.
Breve, a oportunidade de estares vivo cessou.
Provavelmente ninguém saberá que exististe.
E mesmo dos que o souberam, não se saberá um dia.
Num momento não muito longínquo morrerá o último homem sobre a face da Terra.
Esse é, aliás, o momento da tua própria morte porque tu és o primeiro e o último homem que nasceu.
Tudo é rápido e contingente e miraculoso.
Tudo é rápido e sem consequências.
A única consequência és tu e a vida que viveres.
Não a desperdices.
Não inutilizes a fabulosa sorte que te calhou.
Vê. Ouve.
Pára, escuta e olha, que a morte vai passar.
E terás cumprido ao menos, para com o universo, um pouco do teu dever de gratidão.
Vergílio Ferreira