sábado, junho 12


Eu morria de ti
Mas tu eras o meu viver

Tu ias comigo
Tu cantavas em mim
Quando percorria as ruas
Sem nenhum destino
Tu ias comigo
Tu cantavas em mim

Tu convidavas os pardais apaixonados do meio das árvores
Para a manhã da janela
Quando a noite se embaciava
Quando a noite não se acabava
Tu convidavas os pardais apaixonados do meio das árvores
Para a manhã da janela

Tu davas as tuas mãos
Tu davas o teu carinho
Quando eu tinha fome
Tu davas a tua vida
Tu eras generoso como a luz
Tu vinhas ao nosso beco com as tuas luzes
Tu vinhas com as tuas luzes
Quando as crianças partiam
E as pétalas das acácias adormeciam
E eu ficava sozinha no espelho
Tu vinhas com as tuas luzes…
Tu colhias as pétalas
E cobrias as minhas madeixas
Quando as minhas madeixas tremiam de desejo
Tu colhias as pétalas

Tu encostavas o teu rosto
À inquietude do meu peito
Quando eu
Não tinha mais nada para dizer
Tu encostavas o teu rosto
À inquietude do meu peito
E escutavas
O meu sangue que corria
A minha paixão lacrimejante que morria

Tu ouvias-me
Mas não me vias

Forough Farrokhzad

Se te pergunto o caminho,
falas-me das rochas que mortificam o dorso das montanhas
e do ranger da água no galope dos rios
e das nuvens que coroam as paisagens.

Contas que a noite geme nas fendas dos penhascos
porque as cidades apodrecem junto às margens
que o vento é um chicote que desaba os chapéus
que a terra treme, que o nevoeiro cega
e que as casas onde o medo se extinguia na longa bainha do
vestido da mãe cederam ao peso das mágoas dentro delas.

E, se assim mesmo quero ir, dizes que os meus passos
se perderiam no comprimento das sombras - que
não há mapas para os sonhos de quem morre de amor
e que os ramos debruçados dos muros em ruínas rasgariam
a carne – como um sorriso rasga o tecido de um rosto.

Se não me amas, porque me avisas da dor?

Maria do Rosário Pedreira

O QUE EU GOSTO





Gosto do garfo, apetece-me a idéia de que ele não precisa da faca para sobreviver. Não gosto de começar pelas verduras. Gosto de comer com pão. Não gosto de elevador. Gosto de escadas envidraçadas. Gosto de lápis mais do que canetas. Não gosto de parque. Gosto de praças esquecidas. Não gosto de sinais de trânsito. Gosto de pichações. Não gosto de passarelas. Gosto de calçadas largas, onde não me sinto pressionado a tomar uma decisão. Não gosto de quem finge voz infantil para falar com as crianças. Gosto de pedalar descalço como se fosse praia. Não gosto de chuva mentirosa, sem relâmpagos. Gosto de abraçar com efusão e fracassar despedidas. Não gosto de quem conversa dando tapinhas nos ombros. Gosto da sinceridade de um café. Não gosto de aperitivos. Gosto de escutar música para curvar a boca.

Não gosto de apresentações. Gosto de abrir vinho. Não gosto de terminar o vinho. Gosto quando desmarco um encontro para me encontrar por acidente. Não gosto de guarda-chuva. Gosto de livros com sobrecapa. Não gosto de nadar sozinho. Gosto de nadar sem raias para respirar. Não gosto de portas. Gosto de me falhar em janelas. Gosto de reparar primeiro os pés das pessoas, para calçar meus olhos e subir devagar. Não gosto de poltronas. Gosto de rede. Não gosto de colchão no chão.Gosto de água-furtada, abrir um piano, fechar o estojo de um violino. Não gosto de porões. Gosto de gavetas. Não gosto de armários.

Gosto de adormecer sem vontade. Não gosto de dormir cedo. Gosto de abrir cartas. Não gosto de procurar o CEP. Gosto de ter um lugar para sofrer escondido. Não gosto de chorar em público. Gosto de água com gás. Não gosto de trocar o gás. Gosto de repor as lâmpadas. Não gosto de lanternas. Gosto de velas e lamparinas, do clarão cansado. Não gosto de gente educada em excesso. Gosto do humor discreto. Não gosto de ser chamado pelas costas. Gosto quando trocam o meu nome. Não gosto de telegramas. Gosto de telefonemas longos. Não gosto de rodapés. Gosto de letra tremida. Não gosto de letras de fôrma. Gosto de guardanapo nos joelhos. Não gosto de mesas de plástico. Gosto da ironia. Não gosto do cinismo. Gosto de ver um filme pela metade. Não gosto de esperar os créditos finais. Gosto de chegar atrasado para ser pontual. Não gosto da tristeza. Gosto de gritar para as paredes.

Não gosto quando tem eco. Gosto de misturar as chaves. Não gosto de fotos em álbuns. Gosto de fotos soltas. Não gosto de assobiar. Gosto de acenar. Não gosto de palitos nos dentes. Gosto de mapas antigos. Não gosto de filas. Gosto de ler no trem. Não gosto de lembrar das senhas. Gosto de esquecer as dívidas. Não gosto de limpar as telhas. Gosto das escamas das casas. Não gosto de conferir os bolsos. Gosto da imperfeição. Não gosto do acúmulo. Gosto de inventar a letra quando estou cantando. Não gosto do travessão.

Gosto do ponto e vírgula.



Fabrício Carpinejar

sexta-feira, junho 11



Quem irá nos proteger?
Vanessa da Mata

Você conta por ai
Da nossa felicidade
Mas nem todos podem ouvir
Meu bem, meu bem, meu bem
Ouça o mau tom do alheio
Quem irá nos proteger?
Nosso amor é um caso sério
Só nós dois sabemos ser
Se não um amor assim tão raro
Pra tantos é tão caro
Pouca gente pode ter
Tão desejado
Meu amor, meu amor, meu amor
A inveja é a vontade de ter o que não é seu
O ciúme é o medo
De tomarem o que é meu
Não nos sirva a ninguém
Dê à ingenuidade adeus
Muitos querem se vestir
Do que não lhes fica bem
Sempre imitando o alheio
Maledicenciando em vão
Não nos sirva a ninguém
Dê à ingenuidade adeus
Príncipe sem um tostão
Sim. Era pra você a carta de amor
Que disseram ser para um terceiro
Preparei a nossa casa
Chame alguém para um café
Nosso amor é nossa cama
Não empreste a ninguém, não