sábado, novembro 1
Quase poema
Ando pela casa,
inquietude nos pés,
à volta das coisas mudas,
como se o poema me pudesse ser dito.
O quê dizer e quando?
Em que lugar esconde-se
a ordem das palavras,
que me permita estar próxima de alguma poesia?
Nada interessa às buganvílias da varanda,
ou ao menino que brinca lá fora.
O dia é calmo
como todos os domingos em que choveu.
Assisto ao filme francês,
quieta.
Como se tudo fosse assim,
pacífico.
Fumo um cigarro,
mordo a maçã .
Com a naturalidade de quem não vive o paradoxo,
discretamente.
E sinto escapar-me dos dedos
a poesia do mundo.
Como encontrar o verso que diga
a falta que me atravessa,
o impacto do silêncio?
As palavras são tantas
e são nenhuma.
O poema não é meu,
nem teu,
nem de ninguém.
Ando à procura dele
como quem procura um bálsamo.
Entardece o longo dia de verão
e não estás onde disseste que estarias.
Por um momento,
em gestos lentos,
acaricio o sonho,
os lábios no beijo mais longo que o dia.
Mas não, não sou de sonhos,
ou crenças,
não vivo de sombras.
Talvez mesmo não seja de poemas,
este encontro aleatório de palavras
com nexo obscuro.
Assim, levanto-me
e me preparo para ir comprar cigarros.
Dentro de mim
um cello murmura
certa música distante.
Silvia Chueire
No caderno da menina lia-se:
Há nas lesmas qualquer coisa de gente
e nas pedras uma vontade de sono
no caracol um desejo solitário de lar
nas plantas rasteiras uma fome de terra
e nos fins-de-tarde um cheiro de coisa velha
- como velhas são minhas tias, minha avó, minha mãe.
E sem saber mais da (i)mobilidade das coisas,
a menina fechou o caderno...
(ela desconhecia, mas sob seus pés, repousavam asas)
Há nas lesmas qualquer coisa de gente
e nas pedras uma vontade de sono
no caracol um desejo solitário de lar
nas plantas rasteiras uma fome de terra
e nos fins-de-tarde um cheiro de coisa velha
- como velhas são minhas tias, minha avó, minha mãe.
E sem saber mais da (i)mobilidade das coisas,
a menina fechou o caderno...
(ela desconhecia, mas sob seus pés, repousavam asas)
Vássia Silveira
sexta-feira, outubro 31
Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes, um galo canta. Às vezes um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que as coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para vê-las assim.
Cecília Meireles
quarta-feira, outubro 29
Inevitable
Si es cuestion de confesar
no se preparar cafe
y no entiendo de futbol.
Creo que alguna vez fui infiel
juego mal hasta el parkes
y jamas uso reloj.
Y para ser mas franca
nadie piensa en ti como lo hago yo
aunque te de lo mismo.
Si es cuestion de confesar
nunca duermo antes de diez
ni me baño los domingos.
La verdad es que tambien
lloro una vez al mes
sobre todo cuando hay frio.
Conmigo nada es facil
ya debes saber
me conoces bien.
(y sin ti todo es tan aburrido)
El cielo esta cansado ya de ver
la lluvia caer.
Y cada dia que pasa es uno mas
parecido a ayer.
No encuentro forma alguna de olvidarte
porque seguir amandote es inevitable.
Ya sabras la situacion
aqui todo esta peor
pero al menos aun respiro.
No tienes que decirlo
no vas a volver te conozco bien.
(ya buscare que hacer conmigo)
Siempre supe que es mejor
cuando hay que hablar de dos
empezar por uno mismo.
Shakira
no se preparar cafe
y no entiendo de futbol.
Creo que alguna vez fui infiel
juego mal hasta el parkes
y jamas uso reloj.
Y para ser mas franca
nadie piensa en ti como lo hago yo
aunque te de lo mismo.
Si es cuestion de confesar
nunca duermo antes de diez
ni me baño los domingos.
La verdad es que tambien
lloro una vez al mes
sobre todo cuando hay frio.
Conmigo nada es facil
ya debes saber
me conoces bien.
(y sin ti todo es tan aburrido)
El cielo esta cansado ya de ver
la lluvia caer.
Y cada dia que pasa es uno mas
parecido a ayer.
No encuentro forma alguna de olvidarte
porque seguir amandote es inevitable.
Ya sabras la situacion
aqui todo esta peor
pero al menos aun respiro.
No tienes que decirlo
no vas a volver te conozco bien.
(ya buscare que hacer conmigo)
Siempre supe que es mejor
cuando hay que hablar de dos
empezar por uno mismo.
Shakira
O Poema Original
Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutra pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse ao abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever em sismo.
Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte
faz devorar em jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.
Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.
Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.
Ary dos Santos
Eu Gosto de Elefantes
♥ Eric Herman
Elefantes. Eu gosto de elefantes.
Eu gosto de como eles pulam de árvore em árvore.
Macacos. Eu gosto de macacos.
Eu gosto de como eles nadam pelo oceano.
Peixinhos. Eu gosto de peixinhos.
Eu gosto de como eles coçam as pulguinhas e latem pro carteiro.
Você tem que gostar de cachorrinhos.
Enroladinhos no batente da janela, ronronando e perseguindo ratinhos.
Gatos. Eu gosto de gatos.
Eu gosto de como eles dizem "Cocoricóoo"!
Galos. Eu gosto de galos.
Eu gosto de como eles galopam e trotam.
Cavalos. Eu gosto de Cavalos.
Eu gosto de como eles pegam as colméias atrás do mel.
Ursos. Eu gosto de ursos.
Eu gosto de como eles pulam alto pra pegar as mosquinhas e sentam na vitória-régia.
Você tem que gostar de sapinhos!
Correndo por um labirinto atrás de queijo.
Ratinhos. Eu gosto de Ratinhos.
Eu gosto de como eles dizem "Oinc! Oinc! Oinc!".
Porquinhos. Eu gosto de porquinhos.
Eu gosto de como eles saltitam e comem cenoura.
Coelhinhos. Eu gosto de coelhinhos.
Eu gosto de como eles pisoteiam através da floresta com suas trombas cinzas.
Elefantes. Eu gosto de elefantes...
Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas
Adília lopes
Trois allumettes une à une allumées dans la nuit
La première pour voir ton visage
La seconde pour voir tes yeux
La dernière pour voir ta bouche
Et l'obscurité tout entière pour me rappeler tout cela
En te serrant dans mes bras.
Jacques Prévert
Três fósforos acesos um a um durante a noite
O primeiro para ver teu rosto
O segundo para ver teus olhos
O último para ver tua boca
E a escuridão inteirinha para lembrar tudo isso
Estreitando-te em meus braços
Tradução Amélia Pais
Pintei os sapatos de verde
para pisar um relvado.
Pus um vestido de rosas
com seu perfume encarnado.
Colei pratas nas janelas
como estrelas amarelas.
Fiz de uma vassoura
de pernas para o ar
uma palmeira
ao vento a cantar.
Baloiçando o baloiço
do velho cortinado
voei enfim
pelo meu jardim
inventado.
Luísa Ducla Soares
Valsa Quase Antidepressiva
dança comigo a primeira valsa da primavera:
dança sem sonhos, esquece as promessas, ninguém nos espera.
já enchi os dias de lutas vazias:
estou gasto, cansado e dormente.
E a um pouco de sexo ou muita poesia,
ainda não fico indiferente.
Fala comigo na palavra falsa da fantasia:
chovem amigos na festa da praça do meio dia.
é certo que as flores parecem maiores
que toda a virtude do mundo:
com um pouco de sexo ou muita poesia
ainda me sinto profundo.
se este mundo fosse feito para ser doce
eu seria doce fosse eu quem fosse.
foge comigo na última volta da maratona,
nada comigo num lago de metadona.
já deixei as asas na cave e as chaves no fundo do mar:
com um pouco de sexo ou muita poesia
ainda nos vamos casar.
JP Simões
Meus amigos sou de vidro
Sou de vidro escurecido
Encubro a luz que me habita
Não por ser feia ou bonita
Mas por ter assim nascido
Sou de vidro escurecido
Mas por ter assim nascido
Não me atinjam não me toquem
Meus amigos sou de vidro
Sou de vidro escurecido
Tenho fumo por vestido
E um cinto de escuridão
Mas trago a transparência
Envolvida no que digo
Meus amigos sou de vidro
Por isso não me maltratem
Não me quebrem não me partam
Sou de vidro escurecido
Tenho fumo por vestido
Mas por assim ter nascido
Não por ser feia ou bonita
Envolvida no que digo
Encubro a luz que me habita
Lídia Jorge
Sou de vidro escurecido
Encubro a luz que me habita
Não por ser feia ou bonita
Mas por ter assim nascido
Sou de vidro escurecido
Mas por ter assim nascido
Não me atinjam não me toquem
Meus amigos sou de vidro
Sou de vidro escurecido
Tenho fumo por vestido
E um cinto de escuridão
Mas trago a transparência
Envolvida no que digo
Meus amigos sou de vidro
Por isso não me maltratem
Não me quebrem não me partam
Sou de vidro escurecido
Tenho fumo por vestido
Mas por assim ter nascido
Não por ser feia ou bonita
Envolvida no que digo
Encubro a luz que me habita
Lídia Jorge
EU OUÇO MÚSICA
ouço música como quem apanha chuva:
resignado
e triste
de saber que existe um mundo
do Outro Mundo...
Eu ouço música como quem está morto
e sente
já
um profundo desconforto
de me verem ainda neste mundo de cá...
Perdoai,
maestros,
meu estranho ar!
Eu ouço música como um anjo doente
que não pode voar.
Mário Quintana
ouço música como quem apanha chuva:
resignado
e triste
de saber que existe um mundo
do Outro Mundo...
Eu ouço música como quem está morto
e sente
já
um profundo desconforto
de me verem ainda neste mundo de cá...
Perdoai,
maestros,
meu estranho ar!
Eu ouço música como um anjo doente
que não pode voar.
Mário Quintana
"(...)Mas o bom mesmo, são os adjetivos,
Os puros adjetivos isentos de qualquer objeto.
Verde. Macio. Áspero. Rente. Escuro. luminoso.
Sonoro. Lento. Eu sonho
Com uma linguagem composta unicamente de adjetivos
Como decerto é a linguagem das plantas e dos animais.
Ainda mais:
Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto... "
Mario Quintana
Os puros adjetivos isentos de qualquer objeto.
Verde. Macio. Áspero. Rente. Escuro. luminoso.
Sonoro. Lento. Eu sonho
Com uma linguagem composta unicamente de adjetivos
Como decerto é a linguagem das plantas e dos animais.
Ainda mais:
Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto... "
Mario Quintana
POESIA
Irás ouvi-la, a musa; ela bate três vezes. Depois não bate mais...
A senha é o absurdo.
Assim começa o segredo que esconde a mensagem derradeira...
Sentar-te-ás no escuro esperando as três pancadas. Não te iludas com a chegada dos três porquinhos,
ou do velho que manca com uma bengala. O que massacra a Esfinge no final do jogo.
O desfecho é o absurdo, sem o qual a rota da mensagem derradeira está inçada de significado, e a
incerteza de tudo está em toda a parte...
Russell Edson
Irás ouvi-la, a musa; ela bate três vezes. Depois não bate mais...
A senha é o absurdo.
Assim começa o segredo que esconde a mensagem derradeira...
Sentar-te-ás no escuro esperando as três pancadas. Não te iludas com a chegada dos três porquinhos,
ou do velho que manca com uma bengala. O que massacra a Esfinge no final do jogo.
O desfecho é o absurdo, sem o qual a rota da mensagem derradeira está inçada de significado, e a
incerteza de tudo está em toda a parte...
Russell Edson
segunda-feira, outubro 27
"agora que não estás deixa que rompa o meu peito em soluços!
te enrustiste em minha vida e cada hora que passa
é mais por que te amar
a hora derrama o seu óleo em mim...
e sabes de uma coisa?
cada vez que o sofrimento vem
essa saudade de estar perto se longe
ou estar mais perto se perto
que é que eu sei!
essa agonia de viver fraco o peito extravasado
essa incapacidade de me sentir mais eu orfeu
tudo isso que é bem capaz de confundir o espírito de um homem
nada disso tem importância quando tu chegas
com esse contentamento essa harmonia esse corpo!
e me dizes essas coisas que me dão essa força
essa coragem
esse orgulho de rei
meu verso meu silêncio minha música!
nunca fujas de mim
sem ti sou nada
sou coisa sem razão
orfeu menos eurídice...
coisa incompreensível!
a existência sem ti é como olhar um relógio
só com os ponteiros dos minutos
tu és a hora és o que dá sentido e direcção ao tempo
qual mãe qual pai qual nada!
a beleza da vida és tu amada
vai ao teu caminho que eu vou-te seguindo
no pensamento e aqui me deixo rente
quando voltares pela lua cheia
para os braços sem fim do teu amigo
vai à tua vida pássaro contente
vai à tua vida que estarei contigo!"
vinícius de moraes
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