domingo, novembro 8



Terceiro motivo da rosa - por Cecília Meireles



Se Omar chegasse
esta manhã,
como veria a tua face


Omar Khayyam,
tu, que és de vinho
e de romã,
e, por orvalho e por espinho,
aço de espada e Aldebarã?


Se Omar te visse
esta manhã,
talvez sorvesse com meiguice
teu cheiro de mel e maçã.
Talvez em suas mãos morenas
te tomasse, e disesse apenas:
"É curta a vida, minha irmã".


Mas por onde anda a sombra antiga
do âmago astrônomo do Irã?


Por isso, deixo esta cantiga
- tempo de mim, asa de abelha -
na tua carne eterna e vã,
rosa vermelha!


Para que vivas, porque és linda,
e contigo respire ainda
Omar Khayyam.


A boca,
onde o fogo
de um verão
muito antigo
cintila,
a boca espera
(que pode uma boca
esperar
senão outra boca?)
espera o ardor
do vento
para ser ave,
e cantar.


Eugénio de Andrade

Eu ouso a paixão


Eu ouso a paixão
não a recuso
Escuto os sentidos sem o medo por perto
troco a ternura da rosa
ponho a onda no deserto
A tudo o que é impossível
abro e rasgo o coração
Debaixo coloco a mão
para colher o incerto
Desembuço o amor
no calor da emboscada
infrinjo regras e impeço
Troco o sonho dos deuses
por um pequeno nada
Desobedeço ao preceito
e desarrumo a paixão
Teço e bordo o meu avesso
e desacerto a razão



Maria Teresa Horta

(...) é difícil procurar poemas para um amor completamente novo.
Os melhores poemas são sempre feitos de um amor já muito antigo, pensou ela, e temperados com mágoas, intimidades e memórias cheias de musgo.


As cartas de amor escrevem-se sempre à noite e deixam-se de molho, num bom caudal de lágrimas, até a manhã seguinte. Depois relêem-se e, infelizmente, rasgam-se.


Inês Pedrosa in Instrução dos amantes

Notando o portão entreaberto,
avancei ao condomínio
cinzento do sol.
Caminhava como uma pedra
caminha quando o pássaro
pousa na pedra.

Às sextas,
como de costume,
ia cedo ao jazigo
trocar a roupa de cama
de minha avó.

Fabricio Carpinejar
Cores do mar, festa do sol
Vida é fazer
Todo o sonho brilhar
Ser feliz
No teu colo dormir
E depois acordar
Sendo o seu colorido
Brinquedo de Papel Machê...


João Bosco/Capinam

Como se eu pedisse uma simples Esmola,
E na minha mão maravilhada
Um Estrangeiro depusesse um reino,
E eu ficasse de boca aberta -
Como se perguntasse ao Oriente
Se tem uma Manhã para me dar -
E ele abrindo os seus Diques de púrpura,
Me despedaçasse com a Madrugada!


Emily Dickinson
Poemas e Cartas

O dia seginte ao amor


Quando a luz estender as roupas nos telhados
E for todo o horizonte um frêmito de palmas
E junto ao leito fundo de nossas duas almas,
Chamarem nossos corpos nus,entrelaçados,


Seremos, na manhã, duas máscaras calmas e felizes,
De grandes olhos claros e rasgados…
Depois,volvendo ao sol as nossas quatro palmas,
Encheremos o céu de vôos encantados!…

E as rosas da cidade inda serão mais rosas.
Serão todas felizes sem saber porque.
Até os cegos,os entrevadinhos… E

Vestidos contra o azul de tons vibrantes e violentos,
Nós improvisaremos danças espantosas,
Sobre os telhados altos, entre o fumo e os cataventos!


Mário Quintana

A Força de não ter Força



Depois que te vi, vi que o dia
não era o dia, vi que o ar não
sustinha o ar. Vi que não via.


Para que não te vás, não movo
os lábios; para que não te vás,
não tremo as pálpebras; para


que não te vás, a respiração
é tênue, em quietude as plumas
do sangue a que não amanheça


nem anoiteça. E a água aguarde
regalada, absorta, embebendo-se
na própria boca. As coisas não


decifradas é onde bate mais sol.


Maria Carpi


Quem fez ao sapo o leito carmesim
De rosas desfolhadas à noitinha?
E quem vestiu de monja a andorinha,
E perfumou as sombras do jardim?
Quem cinzelou estrelas no jasmim?
Quem deu esses cabelos de rainha
Ao girassol? Quem fez o mar? E a minha
Alma a sangrar? Quem me criou a mim?
Quem fez os homens e deu vida aos lobos?
Santa Tereza em místicos arroubos?
Os monstros? E os profetas? E o luar?
Quem nos deu asas para andar de rastros?
Quem nos deu olhos para ver os astros?
- Sem nos dar braços para os alcançar?


Florbella Espanca