Sobre amar...
"Há mulheres que querem que o seu homem seja o Sol. O meu quero o nuvem.
Há mulheres que falam na voz do seu homem. O meu que seja calado e eu, nele, guarde meus silêncios.
Para que ele seja a minha voz quando Deus me pedir contas.
No resto, quero que tenha medo e me deixe ser mulher, mesmo que nem sempre sua. Que ele seja homem em breves doses. Que exista em marés, no ciclo das águas e dos ventos. E, vez em quando, seja mulher, tanto quanto eu. As suas mãos as quero firmes quando me despir. Mas ainda mais quero que ele me saiba vestir. Como se eu mesma me vestisse e ele fosse a mão da minha vaidade.
Há muito tempo, me casei, também eu. Dispensei uma vida com esse alguém. Até que ele foi. Quando me deixou, já não me deixou a mim. Que eu já era outra, habilitada a ser ninguém.
Às vezes, contudo, ainda me adoece uma saudade desse homem. Lembro o tempo em que me encantei, tudo era um princípio. Eu era nova, dezanovinha.
Quando ele me dirigiu palavra, nesse primeiríssimo dia, dei conta de que, até então, nunca eu tinha falado com ninguém. O que havia feito era comerciar palavra, em negoceio de sentimento.
Falar é outra coisa, é essa ponte sagrada em que ficamos pendentes, suspensos sobre o abismo.
Falar é outra coisa, vos digo. Dessa vez, com esse homem, na palavra eu me divinizei.
Como perfume em que perdesse minha própria aparência.
Me solvia na fala, insubstanciada."
Mia Couto
"Há mulheres que querem que o seu homem seja o Sol. O meu quero o nuvem.
Há mulheres que falam na voz do seu homem. O meu que seja calado e eu, nele, guarde meus silêncios.
Para que ele seja a minha voz quando Deus me pedir contas.
No resto, quero que tenha medo e me deixe ser mulher, mesmo que nem sempre sua. Que ele seja homem em breves doses. Que exista em marés, no ciclo das águas e dos ventos. E, vez em quando, seja mulher, tanto quanto eu. As suas mãos as quero firmes quando me despir. Mas ainda mais quero que ele me saiba vestir. Como se eu mesma me vestisse e ele fosse a mão da minha vaidade.
Há muito tempo, me casei, também eu. Dispensei uma vida com esse alguém. Até que ele foi. Quando me deixou, já não me deixou a mim. Que eu já era outra, habilitada a ser ninguém.
Às vezes, contudo, ainda me adoece uma saudade desse homem. Lembro o tempo em que me encantei, tudo era um princípio. Eu era nova, dezanovinha.
Quando ele me dirigiu palavra, nesse primeiríssimo dia, dei conta de que, até então, nunca eu tinha falado com ninguém. O que havia feito era comerciar palavra, em negoceio de sentimento.
Falar é outra coisa, é essa ponte sagrada em que ficamos pendentes, suspensos sobre o abismo.
Falar é outra coisa, vos digo. Dessa vez, com esse homem, na palavra eu me divinizei.
Como perfume em que perdesse minha própria aparência.
Me solvia na fala, insubstanciada."
Mia Couto