Desde criança, me proponho desafios. Superstições. Teria que correr mais do que o carro para conseguir uma namorada. Caso o pião permanecesse três minutos de pé, passaria de ano na escola. Se acertasse o papel no lixo, eu me transformaria num jogador de futebol. Se a porta estivesse fechada na segunda tranca, receberia um convite para um novo emprego. Se ela olhar ao lado, é que devo insistir com a conversa. Se o telefone tocar quando atravessar na frente daquela casa, é que terei sucesso. Queria provas. Passava todo o dia trancado em mim, conferindo se haveria coincidência entre o que fantasiava e as reações externas. Da janela do trem, da janela do carro, da janela do ônibus, da janela da casa, fazia palavras cruzadas gigantes entre as árvores e a chuva, contando as letras, contando os olhos, contando com a boca a distância de um relâmpago de sua queda. Fui formando convicções a partir de disputas secretas, de apostas que ninguém entenderia, extremamente gratuitas e somente plenas de sentido para uma carência que buscava me livrar.
Transferi a mania de resultados para o relacionamento. Pareço assim um mendigo ansiando algo com o estardalhaço de um milagre. Mas o milagre é imperceptível. Nem faz barulho. Ele abre a porta, não arromba. Qualquer um pode abrir a porta, o milagre tem a mesma energia de uma mão na maçaneta. O milagre é humano. O milagre não usa Deus. O homem usa - infelizmente - Deus. O milagre não emprega nada mais do que a nossa própria força.
O milagre é não condicionar o amor a um entendimento. A uma cerca. A um endereço. Dominar o amor é extingui-lo. Dominar o amor é não compreendê-lo.
O amor é contraditório, não compare as frases, não esprema o suco do que é semente. Não pressione quem você ama com perguntas, esperando que ele responda o que já formulou. Você não está amando, está testando. É repetir o jogo infantil da confirmação de sua expectativa. O amor não nos confirma; na maioria das vezes, nos nega. O amor não termina, desistimos dele. O fim do amor é nossa desistência.
Eu me importo mais com as provas do que com os desejos. Examinando, suspeitando, avaliando o que não é perfeito. Tentando domar com a clareza, assumir o controle do que é destinado a não ter direção. Eliminando os erros com o corretor ortográfico para não chegar à verdade da minha insuficiência. Não aceito ser por mim, fico querendo me resolver por fora.
De tanto que pedi sinais a Deus, eu deixei de me ler. Deus não concede sinais. Deus é analfabeto. Não precisa ler para entender, entende antes da leitura. Ele escuta o que pensamos. Escuta até o que deixamos de pensar. Nós é que precisamos escrever para provar que existimos e ler para ter uma segunda chance.
Deus nos deu o amor para sermos analfabetos e errar a linha.
Fabrício Carpinejar