sábado, junho 13


Essas duas tresloucadas, a Saudade e a Esperança, vivem na casa do Presente, quando deviam estar

- como seria lógico – uma na casa do Passado e a outra na casa do Futuro.

- Mas e o Presente seu moço?

- Ah! esse nunca está em casa.

Mário Quintana





Esta noche al oído me has dicho dos palabras
Comunes. Dos palabras cansadas
De ser dichas. Palabras
Que de viejas son nuevas.

Dos palabras tan dulces que la luna que andaba
Filtrando entre las ramas
Se detuvo en mi boca. Tan dulces dos palabras
Que una hormiga pasea por mi cuello y no intento
Moverme para echarla.

Tan dulces dos palabras
—Que digo sin quererlo— ¡oh, qué bella, la vida!—
Tan dulces y tan mansas
Que aceites olorosos sobre el cuerpo derraman.

Tan dulces y tan bellas
Que nerviosos, mis dedos,
Se mueven hacia el cielo imitando tijeras.
Oh, mis dedos quisieran
Cortar estrellas.

(Alfonsina Storni)

Simplesmente


Voltar a ser
onda que enlaça a praia
e logo dela se desprende
arrastando uns pós de areia
no engano de levar da praia um beijo

ou uma ideia

ou alegria do amor
simplesmente.

(António Branco in Fugidia Comunhão)

Numa bela manhã, em meio à gente doce, um homem e uma mulher soberbos gritavam pela praça pública: “Amigos, quero que ela seja rainha!” “Quero ser rainha!” Ela ria e tremia. Ele falava aos amigos de revelação, de uma provação terminada. Eles desmaiavam um no outro.
De fato, eles foram reis por uma manhã inteira, em que tapeçarias carminadas se estenderam sobre as casas, e a tarde inteira, para os lados do jardim das palmeiras.

Rimbaud

sexta-feira, junho 12

Baterás duas vezes


Baterás duas vezes e eu abrirei
e não quererei acreditar que sejas tu.
Entrarás num andar que desconheces
e que é feito apenas para sobreviver.
E aí me encontrarás, quem sabe
porque estranho desígnio. Entrando
na sala de jantar poderás ver o teu retrato
e os nossos livros. Soará o Nocturno.
Folhearás, quem sabe, Virginia Woolf.
Virei atrás de ti com o desejo
de sentir no meu rosto os teus cabelos.
Sentar-te-ei com infinita ternura
num dos velhos sofás compartilhados
(onde estudavas nos últimos tempos
um longo monólogo de mulher
solitária — o que nunca foste). Espiarei
os teus olhos, o triste sorriso
dos teus lábios amáveis, entreabertos,
e tudo acabará com um abraço
que será o primeiro. Deixará de haver
passado ou futuro. Tudo será lógico.

E este poema nunca terá existido.


Feliu Formosa

trad. Egito Gonçalves




(...)

Decido encher todas as minhas páginas em branco
com as mais belas combinações de palavras
que seja capaz de engendrar.
E depois, porque quero assegurar-me
que a vida não é absurda
e não me encontro só sobre a terra,
reúno-as todas num livro
e ofereço-o ao mundo.
Este, retribui-me com a riqueza,
a glória e o silêncio.
Mas não sei que fazer com este dinheiro,
nem que prazer tirar
de contribuir para o progresso da literatura,
pois só desejo o que jamais obterei
- a certeza de que as minhas palavras
tocaram o coração do mundo.

É então que me pergunto
o que vem a ser o meu talento,
e descubro que não passa de uma forma
de me consolar da solidão.

Risível consolo - que apenas me torna
cinco vezes mais pesada
a solidão.






stig dagerman
a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer
versão de paula castro e josé daniel ribeiro

quinta-feira, junho 11




Já te falei que gosto de
beijos beijados


Que escorrem escorridos
como o visco viscoso
do suor suado
deste amor amado.


Inconstantemente,
Eu te amo pleonasticamente.


(Guto Graça)

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem dercobrirmos a cor
nem o cheiro da erva.


Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.


(Maria Teresa Horta)
"Ai, doce pensamento meu,


quando me levarás onde te envio eu!"


(Romanceiro general - início do séc.XVII)



quarta-feira, junho 10

Xuxuzinho



Procuro um gato, nesse mundo cão
Um candidato à vaga do meu coração!
Não precisa ser rico, basta me amar
Mas se tiver alguns dólares, não vou chorar!

Papai do Céu, me dá um namorado
Lindo, fiel, gentil e tarado
Xuxu, xuxuzinho
Par de vaso
Minha uva, meu vinho

Um piquenique numa ilha
Hulla-hulla, maravilha
Sem telefone, sem ninguém
You Tarzan, Me Jane
Um anel no dedo
Um marido na mão
Eu Dalila, ele Sansão

Josefina e Napoleão
Eu Isolda, ele Tristão
Maria Bonita e Lampião
Eu a mina, ele o rei Salomão
Eu Cosme, ele Damião

Xuxuzinho, xuxuzinho
Minha uva, meu vinho!

Rita Lee - Roberto de Carvalho

Escolha



EU TE AMO COMO UM COLIBRI RESISTENTE
INCANSÁVEL BEIJA-FLOR QUE SOU
BATEDORA RENITENTE DE ASAS
VICIADA NO MEL QUE ME DÁS DEPOIS QUE ATRAVESSO O DESERTO.
PINGAS NA MINHA BOCA UMAS GOTAS POUCAS
DO QUE NEM É UMA VACINA.
EU UMA MULHER, UMA AVE, UMA MENINA…
ASSIM CHACINAS O MEU TEMPO DE EREMITA:
QUEBRAS A BENGALA ONDE ME APOIEI, RASGAS MINHAS MEIAS
AS QUE VESTIRAM MEUS PÉS
QUANDO CAMINHEI AS AREIAS.
EU TE AMO COMO QUEM ESQUECE TUDO
DIANTE DE UM BEIJO:
AS INÚMERAS HORAS DESBEIJADAS
OS TERRÍVEIS DESABRAÇOS
OS DOLOROSOS DESENCAIXES
QUE MEU CORPO SOFREU LONGE DO SEU.
ELEJO SEMPRE O ENCONTRO
ELE É O PONTO DE CROCHÊ.
PENÉLOPE INVERTIDA
NADA COMEÇO DE NOVO
NADA DESMANCHO
NADA VOLTO.
TEÇO UM NOVO TECIDO DE AMOR ETERNO
A CADA OLHAR SEU DE AFETO
NÃO LIGO PARA NADA QUE DOEU.
SÓ PARA O QUE DEIXOU DE DOER TENHO OLHOS.
CEGA DO INFORTÚNIO
PESCO OS PEIXES DOS NOSSOS ENCAIXES
AS CONFISSÕES DE AMOR
AS PALAVRAS FUNDAS DE PRAZER
AS ESCULTURAS ASTECAS QUE NOS FIXAM
NA HISTÓRIA DOS DIAS.


Elisa Lucinda

Astrologia

"Minha estrela não é a de Belém: A que, parada, aguarda o peregrino. Sem importar-se com qualquer destino A minha estrela vai seguindo além... — Meu Deus, o que é que esse menino tem? — Já suspeitavam desde eu pequenino. O que eu tenho? É uma estrela em desatino... E nos desentendemos muito bem! E quando tudo parecia a esmo E nesses descaminhos me perdia Encontrei muitas vezes a mim mesmo... Eu temo é uma traição do

Mario Quintana

Aqui me sentei quieta
Com as mãos sobre os joelhos
Quieta muda secreta
Passiva como os espelhos

Musa ensina-me o canto
Imanente e latente
Eu quero ouvir devagar
O teu súbito falar
Que me foge de repente

(Sophia de Mello Breyner Andresen
)

Se me va de los dedos la caricia sin causa,
se me va de los dedos... En el viento, al rodar,
la caricia que vaga sin destino ni objeto,
la caricia perdida, ¿quién la recogerá?

Pude amar esta noche con piedad infinita,
pude amar al primero que acertara a llegar.
Nadie llega. Están solos los floridos senderos.
La caricia perdida, rodará... rodará...

Si en el viento te llaman esta noche, viajero,
si estremece las ramas un dulce suspirar,
si te oprime los dedos una mano pequeña
que te toma y te deja, que te logra y se va.

Si no ves esa mano, ni la boca que besa,
si es el aire quien teje la ilusión de llamar,
oh, viajero, que tienes como el cielo los ojos,
en el viento fundida, ¿me reconocerás?
(Languidez)

(Alfonsina Storni)




Dizes que me amas de uma tal forma,

que não consigo deixar de corar;

que me amas de um modo primitivo,

sem razão aparente e sem desculpas

e que me amas porque me desejas,

porque sabes que eu também te amo

e como o monstro deste amor nos devora

a alma, a paciência e as maneiras.

Sim já sei que me queres,

sim já sei que te espanto.

Sim já sabes que vivo prisioneira

da tua recordação.

Sim já sabes que mantenho várias velas

acesas ao deus da esperança.

Se me ligas, a tua voz faz-me tremer

como se eu fosse uma folha.

Se te ligo, a tua resposta do outro lado

faz-me tremer como uma folha.

Sim já ambos sabemos que nem eu

nem tu podemos fazer nada.

Sim já é muito alguma coisa que fazemos,

sim já é um mundo inteiro

o montão de coisas que (ainda) não fizemos.

E tu tão longe

e tão dentro de mim, tão invasivo.

E esta chuva
que ameaça dissolver toda a terra

e tornar tudo mar, o meu pesadelo.

E de repente todas as distâncias

se tornam infinitas,

como se só o louco mais malvado

as pudesse ter concebido.

(Amalia Bautista)



"...Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Se Transforme em fera sem perder a sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efémero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação imunerável."

Vinícius de Morae

segunda-feira, junho 8

Faz de conta



- Faz de conta que sou abelha.
- Eu serei a flor mais bela.
- Faz de conta que sou cardo.
- Eu serei somente orvalho.
- Faz de conta que sou potro.
- Eu serei sombra em Agosto.
- Faz de conta que sou choupo.
- Eu serei pássaro louco,
pássaro voando e voando
sobre ti vezes sem conta.
- Faz de conta, faz de conta.

Eugénio de Andrade

Que fizeste das palavras?
....Que contas darás tu dessas vogais
....de um azul tão apaziguado?

....E das consoantes, que lhes dirás,
....ardendo entre o fulgor
....das laranjas e o sol dos cavalos?

....Que lhes dirás, quando
....te perguntarem pelas minúsculas
....sementes que te confiaram?

Eugénio de Andrade, Matéria Solar (1980)



“A música passa ao largo do meu pensamento e se instala onde eu me sinto, onde eu me conecto com sensações infantis de extremo prazer, onde tudo se torna absolutamente instintivo. Ela me desengessa. Dá reconhecimento ao meu corpo, que reage a ela sem pudores.

Enquanto as palavras vestem, a música despe.

E quando estão juntas, letra e música — boa! — aí é uma excitação diferente, é um arrebatamento difícil de explicar, é mais ou menos o que acontece na hora do sexo, quando a gente não está pensando em nada, quando a gente deixa o personagem do lado de fora do quarto e recupera a pureza de ser quem é.

-Martha Medeiros