sexta-feira, outubro 17


A minha vontade é forte, mas a minha disposição de obedecer-lhe é fraca.
Carlos Drummond de Andrade


"Se eu me magôo e passo a odiar quem foi insensível comigo,
esse problema é MEU, não do outro.
O outro apenas não correspondeu às minhas expectativas,
não deu o colo que eu achava que merecia,
não foi o amigo que eu queria que tivesse sido.
Ele foi ELE.
EU é que queria que ele tivesse agido diferente.
Então EU sou o responsável pelo que sinto". Léa Waider

Divagação sobre a palavra dormir


Divagação sobre a palavra dormir

Gostava de te olhar a dormir

mesmo que isso nunca aconteça.

Gostava de te olhar,

a dormir. Gostava de dormir

contigo, entrar

no teu sono, sentir seu fluxo suave e nebuloso

a deslizar sobre a minha cabeça

e caminhar contigo nessa floresta luminosa

ondulante de folhas fluorescentes

com um sol aquoso e três luas

até à caverna onde terás que descer,

em direcção ao teu pior medo

Gostava de te oferecer o ramal de prata,

a pequenina flor branca, aquela

palavra que te protegerá

da dor a meio

do teu sonho, do desgosto

central. Gostava de te acompanhar

até ao cimo da longa escadaria

mais uma vez e de ser

o barco para te transportar de volta

com cuidado, uma chama

entre duas mãos em concha

onde o teu corpo se deita
ao lado do meu, e tal como nele entras

com a facilidade com que se respira

Gostava de ser o ar

que te habita durante um breve

instante. Gostava de se ser tão imperceptível

e tão necessária.

Margaret Atwood

Cotovelos


Tapa bem os braços

Não deixes que os teus cotovelos

se mostrem.

É isto o que os meus vizinhos

dizem lá pra baixo, em Alabama,

às suas filhas

para que nenhum cotovelo

roliço ou magro

moreno ou rosado

possa atrair alguém

até à paixão.

No entanto, se eu imaginasse

que os meus flácidos, bicolores

cotovelos te iriam seduzir

se eu imaginasse

que os meus secos, ossudos

cotovelos te poderiam prender

agitava os meus braços

como um galo

como um pavão real

como uma galinha-da-índia

quando te voltar a ver

amor

arregaço

as mangas e vou

pecar

pecar

pecar


Minnie Bruce Pratt

quinta-feira, outubro 16


Senhora D fala a Ehud
(...) como se eu tocasse sozinho um instrumento, qualquer um, baixo, flautim, pistão, oboé, como se eu tocasse sozinho apenas um momento da partitura, mas o concerto todo onde está? Desperdícios sim, tentar compor o discurso sem saber do seu começo e do seu fim ou o porquê da necessidade de compor o discurso, o porquê de tentar situar-se, é como segurar o centro de uma corda sobre o abismo e nem saber como é que se foi parar ali, se vamos para a esquerda ou para a direita, ao redor a névoa, abaixo um ronco, ou acima?

Ehud responde

isso de procurar a orquestra, senhora D,
é coisa de vadios, sabe-se lá, mudaram-se todos,
que te importa o som de todos se tens o teu?


Hilda Hilst in A obscena senhora D

Ai, quem me dera



Ai quem me dera, terminasse a espera
E retornasse o canto simples e sem fim...
E ouvindo o canto se chorasse tanto
Que do mundo o pranto se estancasse enfim

Ai quem me dera percorrer estrelas
Ter nascido anjo e ver brotar a flor
Ai quem me dera uma manhã feliz
Ai quem me dera uma estação de amor

Ah! Se as pessoas se tornassem boas
E cantassem loas e tivessem paz
E pelas ruas se abraçassem nuas
E duas a duas fossem ser casais

Ai quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afins
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim

Ai quem me dera ouvir o nunca mais
Dizer que a vida vai ser sempre assim
E finda a espera ouvir na primavera
Alguem chamar por mim...


Vinícius de Moraes
Com o amor não se brinca sem castigo.

August Strindberg



Quando ela fala




Quando ela fala, parece

Que a voz da brisa se cala;

Talvez um anjo emudece

Quando ela fala.


Meu coração dolorido

As suas mágoas exala.

E volta ao gozo perdido

Quando ela fala.


Pudesse eu eternamente

Ao lado dela, escutá-la,

Ouvir sua alma inocente

Quando ela fala.


Minh'alma, já semimorta,

Conseguira ao céu alçá-la,

Porque o céu abre uma porta

Quando ela fala.

Machado de Assis


«Se querem que as vossas crianças sejam inteligentes, leiam-lhes contos de fadas.
Se querem que elas sejam mais inteligentes, leiam-lhes mais contos de fadas.»

Einstein





terça-feira, outubro 14





Há pessoas que com
uma só palavra
despertam ilusões
e roseirais;
que com um mero sorriso nos olhos
nos convidam a viajar
por outras terras,
nos dão a conhecer toda a magia do mundo.
Há pessoas que com Um mero toque
Quebram a solidão, põem a mesa, servem um banquete
e colocam grinaldas;
que com uma simples viola
fazem uma sinfonia caseira
Há pessoas a quem basta
Abrir a boca
Para tocar nos confins da alma,
Alimentar uma flor,
Inventar sonhos,
Fazer cantar o vinho nas pipas,
Como se fossem a coisa mais simples do mundo.
E assim vamos de braço dado
Com a vida,
Desterrando uma morte solitária,
Pois sabemos que ao virar da esquina
Há pessoas assim,
Tão necessárias...

Hamlet Lima Quintana

Não te fies do tempo nem da eternidade,
que as nuvens me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam contra o meu desejo!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo! Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
ó lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te escuto! Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te digo...

Cecília Meireles
Quando o sol visita minha estreita janela,
deixa réstias de luz espalhadas
sobre a minha cadeira preferida
onde descanso a falta de sono, de sonho.
A esperança sempre me pareceu vestir cetim enquanto eu,
envolta em panos simples,
vivo estampando cores e formas.
Um dia por vez.

Cuido dos poucos, mas fartos planos.
E asseguro-lhes que as horas têm mãos
que aquecem borboletas até alçarem vôos enigmaticamente perfeitos.
Quantas vezes o que parece não ter rumo nem prumo, voa...?

Diana-Dru

'Foi um processo longo e difícil,
como sempre o são as aproximações
entre duas pessoas habituadas a estarem sozinhas.
Primeiro parece fácil, é o coração que arrasta a cabeça,
a vontade de ser feliz que cala as dúvidas e os medos.
Mas depois é a cabeça que trava o coração,
as pequenas coisas que parecem derrotar as grandes,
um sufoco inexplicável que parece instalar-se
onde dantes estava a intimidade.
É preciso saber passar tudo isso
e conseguir chegar mais além, onde a cumplicidade
- de tudo, o mais díficil de atingir -
os torna verdadeiramente amantes'


[Miguel Sousa Tavares]


Tome-se
Um poeta não cansado,
Uma nuvem de sonho e uma flor ,
Três gotas de tristeza , um tom dourado,
Uma veia sangrando , de pavor.

Quando a massa já ferve e se retorce ... Deita-se a luz dum corpo de mulher.
De uma pitada de morte se reforce,
Que um amor de poeta ... assim requer !

José Saramago







"Faz de conta que tudo que ela tinha
não era de faz de conta."


Clarice Lispector

segunda-feira, outubro 13


Deu-me o amor este dom

o de dizer em poesia




Poeta e amante é o que sou

E só quem ama é que sabe

dizer além da verdade

e dar vida à fantasia



Hilda Hilst




Nunca eu tivera querido
dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na boca,
e depois no teu ouvido.
Levou somente a palavra,
deixou ficar o sentido.
O sentido está guardado
no rosto com que te miro,
neste perdido suspiro
que te segue alucinado,
no meu sorriso suspenso
como um beijo malogrado.
Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Só se aquele mesmo vento
fechou teus olhos, também



Cecília Meireles

Senhora D fala a Ehud
(...) como se eu tocasse sozinho um instrumento, qualquer um, baixo, flautim, pistão, oboé, como se eu tocasse sozinho apenas um momento da partitura, mas o concerto todo onde está? Desperdícios sim, tentar compor o discurso sem saber do seu começo e do seu fim ou o porquê da necessidade de compor o discurso, o porquê de tentar situar-se, é como segurar o centro de uma corda sobre o abismo e nem saber como é que se foi parar ali, se vamos para a esquerda ou para a direita, ao redor a névoa, abaixo um ronco, ou acima?

Ehud responde

isso de procurar a orquestra, senhora D,
é coisa de vadios, sabe-se lá, mudaram-se todos,
que te importa o som de todos se tens o teu?


Hilda Hilst in A obscena senhora D