sábado, julho 5

Inveja




Ela estava muito feliz. A casa dos seus sonhos, que ela e o seu marido estava construindo, ficou pronta. Queriam, agora, compartilhar a sua alegria com os amigos. Decidiram, então, fazer um dia de “Open House”, “Casa Aberta”, para o qual todos os amigos seriam convidados. A alegria compartilhada fica maior. Foi o que ela me disse numa sessão de psicanálise. Eu me calei. Não tive a coragem de falar. Na sessão seguinte ela estava mergulhada em profunda tristeza. Nada acontecera como o esperado. Os amigos não ficaram felizes. Os visitantes trataram de estragar a sua alegria. “Mas você não acha que aquela parede amarela teria ficado melhor se tivesse sido pintada de verde?” “Esse forno de pizza: meu primo fez um; no início foi uma festa, depois foi o esquecimento. O forno de pizza está lá na casa dele, sem uso…” “Aquela escada de madeira teria dado mais classe à sua casa se fosse de granito…” Foi assim que ela aprendeu a dura lição da inveja. Não pense que seus ditos amigos ficarão felizes com a sua felicidade. Eles tratarão de destruí-la.

Rubem Alves


menina dança sozinha
com o vento, com o ar, com
o sonho de olhos imensos...

A forma grácil de suas pernas
ele é que as plasma, o seu par
de ar,
de vento,
o seu par fantasma...

Menina de olhos imensos,
tu, agora, paras,
mas a mão ainda erguida
segura ainda no ar
o hástil invisível
deste poema!

(Mario Quintana)

“O Jeito do Gaúcho de ser”




Nós gaúchos temos um jeito só nosso
Aqui se substitui o abraço pelo “quebra-costela”
A assinatura pelo “fio do bigode”
Temos muitos ditados:

“ Bha!” é o estado de espírito do gaúcho
Ele é entendido pela expressão do vivente
Aqui se usa o advérbio “mais” como comparação
Assim falam fulano esta mais perdido que cusco em tiroteio


Quando o gaúcho é mais forte se diz
derrubou o vivente e deu uma “sova de laço”
E quando a china entra no CTG ela causa entreveiro
E a bagualada fica feliz

Daí tchê,te aprochega!
A gauchada é hospitaleira
A pampa amiga te abre as porteira
E no fogo de chão esquenta a chaleira
Pra nossa roda de chimarrão

As gurias são mais formosas
Do que laranja de amostra
E se num upa surge um chamego
Vem a vontade de juntar os pelego
é um laço certeiro no teu coração


Na poesia o desejo é ser mais
lido que bula de remédio e anuncio de jornal
(Graciela da Cunha e Bernadette Moscareli)
04/07/08

sexta-feira, julho 4

Pecadinhos


Cordeiro de Deus
que tirai os pecados do mundo
Tende piedade dos pecadinhos,
que de tão pequenininhos
não fazem mal a ninguém.
Perdoai nossas faltas
quando falta o carinho,
quando flores nos faltam
quando sobram espinhos.
Eu que vivo na flauta
vivo tão pianinho,
vou virar astronauta
pra entender o caminho.

(Zeca Baleiro e Tata Fernandes)
Cantada por Ceumar

quinta-feira, julho 3


"No fundo, é isso, a solidão:
envolvermo-nos no casulo da nossa alma,
fazermo-nos crisálida e aguardarmos a metamorfose,
porque ela acaba sempre por chegar."


(August Strindberg)

Quase de nada místico





Não, não deve ser nada este pulsar
de dentro: só um lento desejo
de dançar. E nem deve ter grande
significado este vapor dourado,
e invisível a olhares alheios:
só um pólen a meio, como de abelha
à espera de voar. E não é com certeza
relevante este brilhante aqui:
poeira de diamante que encontrei
pelo verso e por acaso, poema
muito breve e muito raso,
que (aproveitando) trago para ti.

Ana Luisa Amaral

Despedida





Se tiver que ir, vai
O que fica para trás,
não sendo mentira,
não racha,
nem rompe,
não cai.
Ninguém tira.

Já que vai,
segue se depurando pelo trajeto,
para desembarcar passado a limpo,
sem máscara,
sem nada,
sem nenhum desafeto.

Quando chegar,
sobe ao ponto mais alto do lugar,
onde a encosta do mundo
faz a curva mais pendente.
E então acena.

De onde eu estiver, quero enxergar
esse momento em que você vai constatar
que a vida vale grandemente a pena.





Flora Figueiredo


É por tudo ter de acabar que tudo é tão belo.

Charles Ramuz

Arabela
abria a janela.

Carolina
erguia a cortina

E Maria
olhava e sorria:
"Bom dia!"

Arabela
foi sempre a mais bela

Carolina
a mais sábia menina

E Maria
apenas sorria:
"Bom dia!"

Pensaremos em cada menina
que vivia naquela janela
uma que se chamou Arabela
outra que se chamou Carolina.

Mas a nossa profunda saudade
é Maria, Maria, Maria,
que dizia com voz de de amizade:
"Bom dia!"

( Cecília Meireles )

quarta-feira, julho 2

ALGUM DIA -CAPITAL INICIAL

Vai onde te leva o coração


"E quando à tua frente se abrirem muitas estradas e não souberes a que hás-de escolher, não metas por uma ao acaso, senta-te e espera. Respira com a mesma profundidade confiante com que respiraste no dia em que vieste ao mundo, e sem deixares que nada te distraia, espera e volta a esperar. Fica quieta, em silêncio, e ouve o teu coração. Quando ele te falar, levanta-te e vai para onde ele te levar."


Susana Tamaro

"Poema sobre a recusa"


Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.
.
Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.


Maria Teresa Horta

SEXO ORAL

Primeiro a tua língua molha o meu coração, num vagar de fera.

Estendo aurículas e ventrículos sobre a mesa, entre os copos que desaparecem.

Não há mais ninguém no bar cheio de gente.

Abres-me agora os pulmões, um para cada lado, e sopras.

Respiras-me.

O laser das tuas palavras rasga-me o lobo frontal do cérebro.

A tua boca abre-se e fecha-se, fecha-se e abre-se, avançando por dentro da minha cabeça.

As minhas cidades ruem como rios, correndo para o fundo dos teus olhos.

O tempo estilhaça-se no fogo preso das nossas retinas.

O empregado do bar retira da mesa o nosso passado e arruma-o na vitrina, ao lado dos exércitos de chumbo.

Entramos um no outro, abrindo e fechando as pernas das palavras, estremecendo no suor dos olhos abraçados,

fazendo sexo com a lava incandescente dessa revolução imprevista a que damos o nome de amor.

Inês Pedrosa



Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinzas
e despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

Mia Couto

A vida é feita de pequenos nadas....



muito boa noite, senhoras e senhores muito boa noite, meninos e meninas muito boa noite, Manueis e Joaquinas enfim, boa noite, gente de todas as cores e feitios e medidas e perdoem-me as pessoas que ficaram esquecidas boa noite, amigos, companheiros, camaradas a vida é feita de pequenos nadas a vida é feita de pequenos nadas ....
Sérgio Godinho

EM LIBERDADE INGRID BETANCOURT !!!




A(R)MAR-SE 2


Se com tuas armas me feres
Eu desabo em meio às flechas
Não revido calo minha dor
Viro-te as costas em nome do amor.

Mas caso deixe armadilhas
Entre flores e poesias
Me rendo e sou abatida
Pelo amor sempre sou vencida

Sou mais forte na batalha
A fera que defende o seu filhote
Não temo nem a morte...
Porém perco minhas forças
Viro uma gata macia
Quando uma mão me acaricia

E navega em meus desejos
Que invade minhas entranhas
Me tirando a razão
fazendo-me viajar pela emoção.
(Bernadete Moscareli e Graciela da Cunha)
02/07/08

A(r)mar-se




Se com tuas armas me feres
E desabo em meio às flechas
Não revido,nada falo
Viro-te as costas e saio.

Mas se deixas armadilhas
Entre flores e poesias
Me rendo,sou abatida
Pelo amor estou vencida

Na batalha sou mais forte
Fera que defende o filhote
Só me deixa bem fraquinha
Uma mão que me acarinha

Bernadette Moscareli

BRUNA LINDA!!!



Acróstico


“Valquíria Cordeiro”



V ersos trazem à vida
A lma pura e cristalina
L uz em forma de menina
Q uadro que emoldura a rima
U ma mulher
I ncomparável
R iqueza de valor
I nestimável
A miga minha!!!

C oração puro é
O centro de atenção das amigas
R isonha e bem-humorada
D eus é seu criador
E la escreve poesia de amor
I dentifica o amor com a pureza do coração
R enova a cada dia a sua luz
O grão de trigo que plantou foi sua poesia.

(Bernadette Moscareli e Graciela da Cunha)

02/07/08

segunda-feira, junho 30
















Desperta-me de noite


Desperta-me de noite
o teu desejo
na vaga dos teus dedos
com que vergas
o sono em que me deito

É rede a tua língua
em sua teia
é vício as palavras
com que falas

A trégua
a entrega
o disfarce

E lembras os meus ombros
docemente
na dobra do lençol que desfazes

Desperta-me de noite
com o teu corpo
tiras-me do sono
onde resvalo

E eu pouco a pouco
vou repelindo a noite
e tu dentro de mim
vai descobrindo vales.

Maria Tereza Horta

Na natureza nada se cria,
nada se perde,
tudo se transforma
Antoine Laurent Lavoisier

De tarde









Naquele "pic-nic" de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima de uns penhascos,
Nós acampamos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão,damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda,
O ramalhete rubro de papoulas!

Cesário Verde




Pisar no chão com a ponta do pé
Tocar o céu com a palma da mão
Manter ereta a postura
Amolecer a cintura
Balé precisa de dedicação

(Palavra Cantada)

Perdemos repentinamente
a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos
conservar

mas levamos anos
a esquecer alguém
que apenas nos olhou



Jose Tolentino de Mendonça

domingo, junho 29


E o meu desejo de ti
são lágrimas por dentro,
tão doídas e fundas
que se não fosse:

____ o tempo de viver;
____ e a janela ao meu lado

invadia de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti

Ana Luísa Amaral

Sonho de menina



A flor com que a menina sonha
está no sonho?
ou na fronha?

Sonho
risonho:

O vento sozinho
no seu carrinho.

De que tamanho
seria o rebanho?

A vizinha
apanha
a sombrinha
de teia de aranha . . .

Na lua há um ninho
de passarinho.

A lua com que a menina sonha
é o linho do sonho
ou a lua da fronha?

Cecília Meireles & Thaís Caetano silva