sábado, junho 19
Custa nada sonhar
Vem ó minha amada vem me dê a mão
E vamos sair por aí pra ver os preços
Vamos ver se o do queijo ainda é o mesmo
Que vimos ontem quando eu te roubei um beijo
Entre um reajuste e um ágio
Eu atacado você varejo
Te levarei para ver como tudo foi remarcado
Desde que nossos corações bateram juntos
Ao pagar o supermercado
Ao pôr do sol você me dirá
Olha meu amor como tudo sobe
Meu coração por ti até as estrelas
Mas vem minha amada vem
E morre comigo antes que até
Morrer fique mais caro
Afinal de contas
Custa nada sonhar...
Leminski e Itamar Assumpção
Bom dia, tristeza
Bom dia, tristeza
Que tarde, tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando
Até meio triste
De estar tanto tempo
Longe de você
Se chegue, tristeza
Se sente comigo
Aqui, nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar
Vinicius de Moraes e Adoniran Barbosa
quinta-feira, junho 17
O Diálogo Eterno
Paulo Mendes Campos,reuniu dois grandes poetas criando este magnífico diálogo entre um homem e uma mulher. A composição respeita a integridade dos versos de Cecília Meireles, em sua "Obra Poética" e de Emílio Moura, em "Itinerário Poético".
Ele: Porque não te conheci menina?
Ela: Fui morena e magrinha como qualquer polinésia, e comia mamão, e mirava a flor de goiaba. E as lagartixas me espiavam, entre os tijolos e as trepadeiras...
Ele: Porque não te conheci quando ias para o colégio?
Ela: Conservo-te meu sorriso para, quando me encontrares ver que ainda tenho uns ares de aluna do paraíso.
Ele: Teu sorriso é tão puro que te ilumina toda.
Ela: Quero apenas parecer bela.
Ele: Nunca te entendo, tantas te vejo. Qual a que vive, qual a que inventas?
Ela: A vida só é possível reinventada.
Ele: E a vida, que é?
Ela: Ando à procura de espaço para o desenho da vida. Saudosa do que não faço, do que faço arrependida.
Ele: De repente, tudo se torna tão irreal que te sinto invisível.
Ela: Digo-te que podes ficar de olhos fechados sobre o meu peito, porque uma ondulação maternal de onda eterna te levará na exata direção do mundo.
Ele: Tudo em ti é viagem. Viajas até mesmo ao redor de tua inacreditável imobilidade.
Ela: Até em barco navega quem para o mar foi fadada.
Ele: Eis a nossa fraqueza: essa necessidade de compreender e de sermos compreendidos, essa febre de ser, esse espanto...
Ela: Agora compreendo o sentido e a ressonância que também trazes de tão longe em tua voz.
Ele: Eu queria que me pertencesses como a cor à luz, como a poesia ao poeta.
Ela: Tenho fases de andar escondida, fases de vir para a rua... Perdição da minha vida! Perdição da vida minha! Tenho fases de ser tua, tenho outras de ser sozinha.
Ele: Tenho medo de mim, de ti, de tudo... Cada gesto que fazes é uma aventura nova que se inicia.
Ela: Nunca eu quisera dizer palavra tão louca...
Ele: Quero-te muito. É como quem recria uma rosa.
Ela: Sou como todas as coisas: e durmo e acordo em tua cabeça, com o andar do dia e da noite, o abrir e o fechar das portas.
Ele: Sonho. És sonho. É tarde, é cedo?
Ela: Quero um dia para chorar. Mas a vida vai tão depressa!
Ele: Ah, ser contraditório, dividido, disperso!
Ela: Somos um ou dois? Às vezes, nenhum. E em seguida, tantos.
Ele: Vieste do Cântico dos Cânticos: "Os teus cabelos são como um rebanho de cabras..."
Ela: Já fui loura, já fui morena, já fui Margarida e Beatriz. Já fui Maria e Madalena. Só não pude ser como quis.
Ele: Sonho que surges diante de mim como quem desce do Líbano.
Ela: Serás o Rei Salomão? Por isso, em meu corpo vão brotando em mornos canteiros, incenso, mirra, e a canção.
Ele: Fabrico uma esperança como quem apaga algo sujo num muro e ali, rápido, escreve: Futuro.
Ela: Uma palavra caída da montanha dos instantes desmancha todos os mares e une as terras mais distantes.
Ele: É sonho o sonho?
Ela: Nunca existiu sonho tão puro como o da minha timidez.
Ele: Na verdade, eu já te esperava desde o princípio.
Ela: O mar imóvel de teus olhos...
Ele: És linda como a manhã que nasce. Que amor o meu! Olha: até parece que somos eternos, livres e eternos.
Ela: Tu és como o rosto das rosas, diferente em cada pétala.
Ele: E a rosa, a rosa o que será?
Ela: A surda e silenciosa, e cega e bela e interminável rosa.
Ele: Quanto mais nos falamos, mais sinto necessidade de ti. Que nos ficou de tudo o que não fomos?
Ela: Nada sei. De nada. Contemplo.
Ele: Estou diante de ti. Nu e silencioso. Porque não prevaleces deste instante e não me revelas quem sou?
Ela: Ah! Se eu nem sei quem sou...
Ele: Para onde vão os teus caminhos? De onde vêm eles?
Ela: Primeiro, foram os verdes e águas e pedras da tarde, e meus sonhos de perder-te e meus sonhos de encontrar-te. Mas depois houve caminhos pelas florestas lunares, e, mortos em meus ouvidos, mares brancos de palavras. E eram flores encarnadas, por cima das folhas verdes. (E entre os espinhos de prata, só meus sonhos de perder-te...).
Ele: Aqui, estou, tímido e humilde.
Ela: Pois aqui estou, cantando.
Ele: Agora que estou diante de ti, já não me pertenço.
Ela: Nossas perguntas e respostas se reconhecem como os olhos dentro dos espelhos. Olhos que choraram.
Ele: Tua presença me invade como a revelação do irreal.
Ela: Conversamos dos dois extremos da noite, como de praias opostas.
Ele: Diante dos meus olhos matinais, as coisas se ordenam simples e perfeitas: o céu, o mar, teu corpo. Ah, o teu corpo!
Ela: Por mais que me procure, antes de tudo ser feito, eu era amor.
Ele: Que tudo o mais é perdido.
Ele: Porque não te conheci menina?
Ela: Fui morena e magrinha como qualquer polinésia, e comia mamão, e mirava a flor de goiaba. E as lagartixas me espiavam, entre os tijolos e as trepadeiras...
Ele: Porque não te conheci quando ias para o colégio?
Ela: Conservo-te meu sorriso para, quando me encontrares ver que ainda tenho uns ares de aluna do paraíso.
Ele: Teu sorriso é tão puro que te ilumina toda.
Ela: Quero apenas parecer bela.
Ele: Nunca te entendo, tantas te vejo. Qual a que vive, qual a que inventas?
Ela: A vida só é possível reinventada.
Ele: E a vida, que é?
Ela: Ando à procura de espaço para o desenho da vida. Saudosa do que não faço, do que faço arrependida.
Ele: De repente, tudo se torna tão irreal que te sinto invisível.
Ela: Digo-te que podes ficar de olhos fechados sobre o meu peito, porque uma ondulação maternal de onda eterna te levará na exata direção do mundo.
Ele: Tudo em ti é viagem. Viajas até mesmo ao redor de tua inacreditável imobilidade.
Ela: Até em barco navega quem para o mar foi fadada.
Ele: Eis a nossa fraqueza: essa necessidade de compreender e de sermos compreendidos, essa febre de ser, esse espanto...
Ela: Agora compreendo o sentido e a ressonância que também trazes de tão longe em tua voz.
Ele: Eu queria que me pertencesses como a cor à luz, como a poesia ao poeta.
Ela: Tenho fases de andar escondida, fases de vir para a rua... Perdição da minha vida! Perdição da vida minha! Tenho fases de ser tua, tenho outras de ser sozinha.
Ele: Tenho medo de mim, de ti, de tudo... Cada gesto que fazes é uma aventura nova que se inicia.
Ela: Nunca eu quisera dizer palavra tão louca...
Ele: Quero-te muito. É como quem recria uma rosa.
Ela: Sou como todas as coisas: e durmo e acordo em tua cabeça, com o andar do dia e da noite, o abrir e o fechar das portas.
Ele: Sonho. És sonho. É tarde, é cedo?
Ela: Quero um dia para chorar. Mas a vida vai tão depressa!
Ele: Ah, ser contraditório, dividido, disperso!
Ela: Somos um ou dois? Às vezes, nenhum. E em seguida, tantos.
Ele: Vieste do Cântico dos Cânticos: "Os teus cabelos são como um rebanho de cabras..."
Ela: Já fui loura, já fui morena, já fui Margarida e Beatriz. Já fui Maria e Madalena. Só não pude ser como quis.
Ele: Sonho que surges diante de mim como quem desce do Líbano.
Ela: Serás o Rei Salomão? Por isso, em meu corpo vão brotando em mornos canteiros, incenso, mirra, e a canção.
Ele: Fabrico uma esperança como quem apaga algo sujo num muro e ali, rápido, escreve: Futuro.
Ela: Uma palavra caída da montanha dos instantes desmancha todos os mares e une as terras mais distantes.
Ele: É sonho o sonho?
Ela: Nunca existiu sonho tão puro como o da minha timidez.
Ele: Na verdade, eu já te esperava desde o princípio.
Ela: O mar imóvel de teus olhos...
Ele: És linda como a manhã que nasce. Que amor o meu! Olha: até parece que somos eternos, livres e eternos.
Ela: Tu és como o rosto das rosas, diferente em cada pétala.
Ele: E a rosa, a rosa o que será?
Ela: A surda e silenciosa, e cega e bela e interminável rosa.
Ele: Quanto mais nos falamos, mais sinto necessidade de ti. Que nos ficou de tudo o que não fomos?
Ela: Nada sei. De nada. Contemplo.
Ele: Estou diante de ti. Nu e silencioso. Porque não prevaleces deste instante e não me revelas quem sou?
Ela: Ah! Se eu nem sei quem sou...
Ele: Para onde vão os teus caminhos? De onde vêm eles?
Ela: Primeiro, foram os verdes e águas e pedras da tarde, e meus sonhos de perder-te e meus sonhos de encontrar-te. Mas depois houve caminhos pelas florestas lunares, e, mortos em meus ouvidos, mares brancos de palavras. E eram flores encarnadas, por cima das folhas verdes. (E entre os espinhos de prata, só meus sonhos de perder-te...).
Ele: Aqui, estou, tímido e humilde.
Ela: Pois aqui estou, cantando.
Ele: Agora que estou diante de ti, já não me pertenço.
Ela: Nossas perguntas e respostas se reconhecem como os olhos dentro dos espelhos. Olhos que choraram.
Ele: Tua presença me invade como a revelação do irreal.
Ela: Conversamos dos dois extremos da noite, como de praias opostas.
Ele: Diante dos meus olhos matinais, as coisas se ordenam simples e perfeitas: o céu, o mar, teu corpo. Ah, o teu corpo!
Ela: Por mais que me procure, antes de tudo ser feito, eu era amor.
Ele: Que tudo o mais é perdido.
domingo, junho 13
Virgem
Ela era virgem
E o vento alisava seus pêlos pr'ela suspirar
E era um namoro selvagem de sexo de ventania
E quando o vento não vinha
Ela mesmo corria pra ventar
Ela era virgem
E o mar só lambia suas coxas pr'ela se molhar
E ela era só maresia em dia de tempestade
Ela deixava a cidade a abria suas
pernas para o mar
E roçava os cães com a pele cálida
Pássaros com a mão cobras no ar
E amava tigres e leões gatos nos porões
E à noite dormia encharcada
Oswaldo Montenegro
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