Ando pela casa,
inquietude nos pés,
à volta das coisas mudas,
como se o poema me pudesse ser dito.
O quê dizer e quando?
Em que lugar esconde-se
a ordem das palavras,
que me permita estar próxima de alguma poesia?
Nada interessa às buganvílias da varanda,
ou ao menino que brinca lá fora.
O dia é calmo
como todos os domingos em que choveu.
Assisto ao filme francês,
quieta.
Como se tudo fosse assim,
pacífico.
Fumo um cigarro,
mordo a maçã .
Com a naturalidade de quem não vive o paradoxo,
discretamente.
E sinto escapar-me dos dedos
a poesia do mundo.
Como encontrar o verso que diga
a falta que me atravessa,
o impacto do silêncio?
As palavras são tantas
e são nenhuma.
O poema não é meu,
nem teu,
nem de ninguém.
Ando à procura dele
como quem procura um bálsamo.
Entardece o longo dia de verão
e não estás onde disseste que estarias.
Por um momento,
em gestos lentos,
acaricio o sonho,
os lábios no beijo mais longo que o dia.
Mas não, não sou de sonhos,
ou crenças,
não vivo de sombras.
Talvez mesmo não seja de poemas,
este encontro aleatório de palavras
com nexo obscuro.
Assim, levanto-me
e me preparo para ir comprar cigarros.
Dentro de mim
um cello murmura
certa música distante.
Silvia Chueire
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